2.7.13

Saída a meio da ponte

por António Perez Metelo, in Diário de Notícias

A fama de Vítor Gaspar precedia-o. Ele era sobejamente conhecido nas instituições comunitárias e dava garantia, à partida, de ser o titular das Finanças em mais perfeita sintonia com o rumo traçado pelo Memorando de Entendimento estabelecido entre a República Portuguesa e a troika. Não tardou, no discurso e na ação, por confirmar a determinação, que o animava, de anular os desequilíbrios estruturais das contas públicas e externas. Para tanto, além de medidas duras nos sucessivos documentos orçamentais, que o seu ministério ia produzindo, houve a intervenção no sector financeiro e na mudança das regras do jogo no funcionamento da economia real. Neste tripé Economia-Sector Financeiro-Contas Públicas, qual o balanço a quente sobre a marca que Vítor Gaspar deixa?

1. A nível da gestão das expectativas, Vítor Gaspar conseguiu convencer a generalidade dos portugueses a mudarem de vida. Seja por prudência (para não dizer, medo), por reconhecimento intelectual ou por simples encurralamento numa situação sem alternativa, o certo é que milhões de famílias em Portugal passaram a gastar menos e (os que ainda podem) a poupar mais. O endividamento excessivo das famílias tem vindo a cair consistentemente, ao mesmo tempo que vinham mais ao de cima as situações de insolvência dos créditos ao consumo e, em menor grau, à compra de habitação própria.

2. A quebra forte do consumo, acompanhada do colapso de um investimento em retração desde 2008, produziu a importante contração das importações. Como as exportações mantinham ainda o impulso de crescimento, reiniciado em janeiro de 2010 (depois do ano da Grande Recessão - 2009), o défice externo fechou-se, como por encanto, a uma velocidade inimaginável, em ano e meio. Eis uma vitória, que o primeiro-ministro cantou para os credores ouvirem, induzida pela linha de austeridade a todo o gás de Gaspar.

3. A banca assumiu as ajudas de que precisava para reforçar os capitais próprios e reduzir a relação entre depósitos detidos e créditos concedidos. Usando cerca de metade da verba disponibilizada pela troika, as fragilidades próprias do sector foram resolvidas ao ponto de, agora, cada banco estar em condições de gerir as imparidades que continuam a afetar os seus balanços. No 2.º sector deste tripé, tudo foi feito o que havia a fazer.

4. Já no campo orçamental, o período destes 24 meses apresenta um crescendo de resistências várias à redução do défice das administrações públicas, sobretudo, pelo facto de o ajustamento no campo real ir tornando cada vez mais difícil cumprir os sucessivos objetivos acordados pelo défice público. A queda do PIB, há nove trimestres consecutivos, enfraqueceu as receitas do Estado, enquanto a crise social atingia dimensão inusitada com a explosão do número de desempregados, pressionando as despesas sociais públicas.

5. Perante os sucessivos chumbos no Tribunal Constitucional, a resistência da realidade económica e a fratura exposta no Conselho de Ministros, patente no episódio da TSU em setembro último, foi ficando claro que, trimestralmente, o défice do Estado tinha de ir resvalando - com o consentimento da troika - sem que se conseguisse ver o fim à política de austeridade, que não conseguiu atingir a meta fixada.

No fim da sua passagem pelo Governo, ficará bem viva a polémica entre os que recordarão o mandato de Vítor Gaspar como um caso a estudar sobre os efeitos contraditórios de um ajustamento quase só baseado em medidas de austeridade; e os outros que, perante as dificuldades que se adivinham no futuro próximo, culparão todos aqueles que impediram Gaspar de completar o seu mandato de quatro anos.