3.4.14

Adriano Moreira. Portugal está governado por “neoliberalismo repressivo”

in iOnline

“Quando vejo a situação em que se encontram hoje as universidades portuguesas, acho que o conceito estratégico nacional está abalado”, lamentou

Volvidas quatro décadas de democracia, Portugal está governado por um “neoliberalismo repressivo”, focado no “ataque ao Estado social” e que justifica tudo com “resposta simples” de que “não há dinheiro”, critica o professor Adriano Moreira.

“Não ter dinheiro não significa não ter princípios e, portanto, é necessário que a falta de dinheiro não seja acompanhada por lançar os princípios pela janela”, contrapôs o ex-ministro, ex-deputado e ex-líder do CDS-PP em entrevista à agência Lusa.

Portugal está hoje numa situação que “talvez não tenha precedente na vida europeia”, assinalou, contrapondo que, para “animar a população portuguesa no sentido de recuperar um futuro com dignidade”, é preciso dar-lhe “esperança”.

Mas, em vez disso, a vida corre “cheia de dificuldades”. A democracia produziu “efetivamente um grande desenvolvimento” e “o modo de vida aproximou-se da Europa”, mas a “espécie de engenharia imaginosa financeira” que se lhe seguiu resultou numa “evolução muito má (…) até chegar a esta crise global”, analisa o professor.

Neste contexto, Portugal “acentuou a sua condição de país exógeno (…), evolucionou para país exíguo e finalmente caiu na situação atual, de protetorado sem definição jurídica”, descreveu Adriano Moreira, que recentemente assinou o "manifesto dos 70", que defende a reestruturação da dívida nacional.

Recordando que Portugal “sempre dependeu de apoio externo”, o professor admitiu, porém, que essa dependência instalou “vícios” no país. Caído o Muro de Berlim e com ele a divisão entre o modelo ocidental e o comunista, restou o “neorriquismo e a tónica passou a ser gastar mais do que as disponibilidades”, resumiu.

“É muito difícil dizer quem é o mais responsável. Eu acho que somos todos responsáveis”, frisou, insistindo na importância de definir “um conceito estratégico nacional”, o que implica um “consenso” alargado e que todas as diferenças se subordinem “a um conjunto de objetivos e valores que unem a comunidade”, em vez de contribuir para “os desafetos, por exemplo, pondo os velhos contra os novos, pondo os reformados contra os ativos”.

Para o académico, esse conceito deve privilegiar a relação de Portugal com o mar e defender “uma situação de igualdade na comunidade das nações” e de “dignidade nas relações entre os países”.

A aposta na educação e nas instituições é outra das propostas de Adriano Moreira. “A investigação e o ensino são matéria de soberania, não são matéria de mercado”, sustenta.

“Quando vejo a situação em que se encontram hoje as universidades portuguesas, acho que o conceito estratégico nacional está abalado”, lamentou o presidente da Academia das Ciências de Lisboa.

“A democracia não é constituída só por indivíduos, também é por instituições”, pois são estas “que asseguram a continuidade dos valores, dos projetos e da ação”, frisou o professor de 91 anos, que olha à volta e vê um cenário “de grande inquietação”, o que justifica o título que deu ao seu último livro, “Memórias do Outono Ocidental”, “porque as folhas estão a cair”.