3.4.14

"Para poder ser um país com mais crianças, Portugal também precisa de renascer"

Natália Faria, in Público on-line

Estancar a queda da natalidade obrigará à reformatação de todas as políticas sociais, desde a forma como trabalhamos ao sistema fiscal, passando por pôr a banca a conceder empréstimos compatíveis com a intermitência do emprego. O país mudou, sublinha o presidente da comissão, e a forma de fazer política e de nos organizarmos em sociedade vai ter de se adaptar.

Da redução dos preços à flexibilização do horário das creches, dos 0 aos 3 anos de idade. Do trabalho em part-time, aos empréstimos bancários que acautelem situações de instabilidade laboral. Dos incentivos em sede de IRS à necessidade da mudança na forma como nos organizamos em sociedade e perante o trabalho. O ex-secretário de Estado do Ensino Básico e Secundário de Cavaco Silva e professor catedrático na Universidade Católica, Joaquim Azevedo, já formou a comissão multidisciplinar que, até Junho, promete pôr o país a discutir o problema da natalidade. O desafio foi lançado por Pedro Passos Coelho, mas não há a garantia de que as propostas que vierem a ser apresentadas serão assimiladas pelo Governo.

Já escolheu as pessoas para trabalhar consigo neste plano de ataque à queda da natalidade?
Temos a equipa quase totalmente constituída e marcámos a primeira reunião para a próxima semana. É uma equipa multidisciplinar. Tem uma médica pediatra, [a ex-alta comissária para a Saúde] Maria do Céu Machado, a psiquiatra Margarida Neto, um especialista em direito laboral, Pedro Furtado Martins, e a especialista em fiscalidade Ana Luísa Anacoreta Correia. As famílias numerosas também estarão representadas, através de Ana Cid Gonçalves, e, na área da geografia humana, temos o professor Jorge Arroteia, da Universidade de Aveiro. Também temos a subdirectora do Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério da Solidariedade e Segurança Social, Ana Sampaio, um empresário na área dos serviços, Ricardo Luz, uma jovem mãe e outros dois jovens. Estamos a falar de muitas frentes de abordagem. A ideia é fazer uma proposta de política que seja coerente e também adaptada ao contexto em que vivemos.

Como é que se consegue criar um clima de confiança nas pessoas, que passa muito pela questão do emprego e da segurança nos vínculos laborais, neste contexto de crise?
O problema da queda demográfica não é consequência da crise, é um fenómeno que tem 30 anos. Mas não podemos fugir ao contexto e sabemos que não ter emprego, ou ter um emprego precário ou mal remunerado, o não haver incentivos, incluindo na questão da educação nos três primeiros anos, são questões muitíssimo importantes. E, para as mulheres, o problema não é só de ter ou não ter emprego, mas o de serem fortemente penalizadas no trabalho por terem filhos. Não se pode continuar a negar a possibilidade de as pessoas terem filhos. E é possível criar quadros de incentivo à natalidade. Temos exemplos de autarquias lançaram alguns incentivos e que têm tido alguns resultados.

Mas são incentivos que visam famílias carenciadas. E a questão dos filhos também se põe nas famílias da classe média que lutam para se manter à tona de água mas que não são elegíveis para os apoios camarários em vigor.
É isso que temos que estudar. Há incentivos que podem ser mais para essa população de classe média. A questão do trabalho a tempo parcial que é preciso estudar mais aprofundadamente…

… que já tem sido criticada.
…por poder ser penalizadora para as mulheres no tocante à sua progressão profissional. Mas ela tem que ser posta em cima da mesa para vermos em que condições é que pode ser desenvolvida sem ter essa componente de prejuízo. Depois há o teletrabalho, que pode cruzar-se com o trabalho a tempo parcial, os horários, a possibilidade de haver outra forma de distribuir o tempo de trabalho. Há claramente aspectos em que podemos mexer.

A questão das creches…
...sim, dos zero aos três anos, que é uma questão central, porque essa idade tem sido muito esquecida nas políticas públicas. Aqui tem que ser criado um quadro que seja mesmo muito favorável à possibilidade de as pessoas terem as creches a preços muito acessíveis, por um lado, e com horários adaptados, por outro.

E quanto ao facto de o número de filhos ser quase irrelevante para cálculo da taxa de IRS?
Queremos que isso se inverta. Temos que estudar isso mas é claro que tem que haver uma política fiscal diferente, sobretudo para as famílias com mais do que um filho.

Já o ouvi defender a necessidade de um trabalho em conjunto com a banca no sentido de agilizar mecanismos de apoio às famílias que tem ou querem ter filhos. Como?
O ‘como’ tem que ver com os sistemas, não tanto com as famílias. Tem que ver com podermos ter a banca a estudar mecanismos de empréstimo às pessoas que ultrapassem as dificuldades nos momentos de desemprego. Tem que se convidar o sistema bancário a estudar essa questão e perceber até que ponto – e isso existe noutros contextos internacionais – se pode criar sistemas de empréstimo às famílias que se mantenham estáveis, embora a vida das pessoas – trabalho, emprego… – se tenha tornado muito mais instável. Porque, por mais que a gente diga que havemos de sair desta crise, nunca mais haverá o nível de emprego que havia. A economia evoluiu para um modelo que é muito pouco dado à estabilidade.