10.4.14

Eleições europeias: a taça da liga da democracia

Texto de Francisco Taveira, in Público on-line (P3)

A instrumentalização destas eleições por parte dos partidos políticos nacionais tem também contribuído para a sua desvalorização junto dos cidadãos

Em 2009 — um ano após o despontar da atual crise económica e financeira — apenas 43% dos cidadãos europeus votaram nas eleições para o Parlamento Europeu. Já em 2013, uma sondagem elaborada pela Gallup Europa expôs essa mesma realidade preocupante sobre a democracia na União Europeia, prevendo que a taxa de participação nas eleições europeias em 2014 não seja superior a 50%. Ou seja, esta sondagem mostra que a tendência para o absentismo eleitoral se mantém inalterado, fruto, talvez, das dificuldades de resolução da crise e do seu impacto nas opções políticas, económicas e sociais dos Estados-membros e da própria União Europeia.

Em 1979, já dois autores (Reif e Schmitt) analisaram este problema e batizaram as primeiras eleições europeias de “eleições de segunda ordem”, uma vez que foram desvalorizadas pelos eleitores, por serem consideradas menos importantes que as “eleições de primeira ordem” (isto é, as eleições para os órgãos de soberania dos Estados-membros).

Hoje, creio, a instrumentalização destas eleições por parte dos partidos políticos nacionais — utilizando-as como barómetro eleitoral e político interno — tem também contribuído para a sua desvalorização junto dos cidadãos. Esta realidade é por exemplo visível no momento político em que Portugal está mergulhado, em que a proximidade das eleições legislativas, agendadas para 2015, tem imprimido uma dinâmica à tríade “eleitores-partidos-media” que visa antecipar futuros resultados eleitorais com base nos resultados das eleições europeias.

Défice democrático

O resultado preocupante é que, passados 35 anos, a análise de Reif e Schmitt mantenha uma acutilante atualidade e que, na gíria futebolística, as eleições europeias continuem a ser encaradas como uma espécie de Taça da Liga relativamente ao Campeonato.

Este facto — que por si só origina um verdadeiro défice democrático — pode fundar-se em três razões distintas: (i) na estrutura institucional da União, complexa e de difícil compreensão; (ii) na dinâmica deficiente das eleições europeias, que as transforma num mero teste e aproximação às eleições legislativas nacionais; (iii) e, finalmente, no multiculturalismo europeu.

Quanto a este ultimo aspeto, a verdade é que Europa hoje é um aglomerado de povos e culturas com preocupações e interesses muito diferentes, o que dificulta a posse de uma identidade comum, de uma verdadeira consciência europeia, ou de um sentimento de pertença. Em parte, a grande responsável por esta situação é a globalização, que anda de mãos dadas com o fenómeno da fragmentação da sociedade nas identidades diferentes que a compõem. O problema é que a globalização é um fenómeno inevitável. Por isso, e para que o projeto europeu singre, tem de se verificar uma transformação na mentalidade dos povos que permita a criação de um espírito e de valores comuns a todos os cidadãos europeus. Como essa transformação não é imediata, a única opção é uma aposta séria na educação.