11.4.14

Governo é contra reestruturação da dívida por "facilitar redução da austeridade"

por Ricardo Vieira, in RR

Economista Pedro Lains acusa o Governo de estar do lado da “troika” e da “austeridade máxima”. Em entrevista à Renascença, afirma que em democracias mais avançadas os governos “não tendem a ser tão teimosos”.

Negociar para evitar novos cortes que levaram a economia portuguesa à “depressão” é o caminho defendido pelo economista Pedro Lains, numa altura em que o Governo ultima o Documento de Estratégia Orçamental (DEO), com medidas que podem ascender a 2 mil milhões de euros. Muito crítico da situação do país, o professor do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa considera quem “em democracias mais avançadas, os governos não tendem a ser tão teimosos” e defende a reestruturação da dívida e a renegociação das metas do défice.

Que perspectivas tem para o DEO?
Não espero surpresas, porque o Governo tem vindo a anunciar, até para preparar a opinião pública, que vai introduzir cortes no valor de mais 1,7 mil milhões de euros e isso é continuar a fazer o que tem feito até agora, com os resultados que tem tido na economia portuguesa. Esses cortes têm sido a principal razão da depressão da economia portuguesa, do facto de estarmos em recessão há três anos. [Os cortes] há uns anos até poderiam ser mais necessários ou inevitáveis, atendendo às negociações com a "troika", mas agora são desnecessários e, se o Governo quisesse, podia negociar não os fazer. Não há razões para não se pensar assim.

Os cortes de que se fala podem ser evitados?
Eu penso que poderia haver negociação política para os evitar. Quando olhamos para a Grécia, por exemplo, foi isso que aconteceu nos últimos meses. Inclusivamente, o Governo grego recusou fazer determinados cortes e utilizou uma parte do seu excedente orçamental para redistribuir na economia, embora a Grécia não seja sempre um exemplo, mas mostra que se pode negociar. Mas o mais sério não é isso, o Governo, como é evidente, tem o poder nas mãos, não está dependente apenas da "troika". O mais grave é que isto vai cortar as perspectivas de recuperação da economia que era necessário, porque são cortes, é contracção da economia. É muito simples.

Se fosse ministro das Finanças, que medidas incluiria no DEO?
Eu acho que nós devemos reagir é enquanto cidadãos e enquanto cidadãos nós devemos pensar que é a altura de parar com os acréscimos de austeridade. Já se foi longe demais e já se percebeu que isto não tem vantagens, não ajuda à recuperação nem da economia nem das contas do Estado português, quer das contas públicas quer externas. Há aqui alguma coisa que é difícil de entender a não ser se considerarmos que o Governo não tem capacidade para mudar, não tem perspectivas de mudança. Continuar a fazer a mesma coisa, teimando numa determinada política e é o Governo português, não é a "troika". Isto já se pode dizer há algum tempo, mas cada vez é mais certo que o Governo é o motor destas medidas.

A reestruturação da dívida seria um balão de oxigénio?
Negociar para ter uma dívida mais leve é uma das formas de ter menos austeridade. A própria austeridade traz danos à economia e torna-se ineficaz. A austeridade traz menos procura, menos consumidores para os produtores, menos consumidores para quem vende, para quem investe, etc... e isso faz com que a economia tenha mais dificuldades em pagar a dívida, em reduzir o défice. Isto tem sido claro nos últimos três anos e continuamos na mesma linha política, porque este Governo não quer mudar. Em democracias mais avançadas, os governos não tendem a ser tão teimosos, a ser tão determinísticos nas políticas que seguem, a seguir políticas de uma forma tão fixada em determinados objectivos, adaptam-se às circunstâncias. Isso tem-se verificado na Europa nos últimos anos.

Escreveu que ninguém é contra a reestruturação da dívida...
A reestruturação da dívida é uma coisa normal que faz parte da forma como os mercados de capitais dinâmicos funcionam, não tem problema absolutamente nenhum. Porque quem empresta dinheiro quer que quem está a devolver os empréstimos que lhe são concedidos tenha capacidade para o fazer porque. Se não o fizerem, os credores podem correr o risco de não receber os seus créditos de volta, porque os devedores entram em bancarrota ou vão à falência.

É uma questão política?
Nós estamos perante um debate político relativamente à reestruturação, não é um debate técnico. Quem não quer a reestruturação não é contra a reestruturação, é contra a reestruturação por facilitar a redução do nível de austeridade. É por isso e os exemplos destes últimos anos mostram que houve algumas reestruturações. Tivemos um caso há um ano e meio ou há dois anos, em que o Governo irlandês negociou uma reestruturação com a troika e conseguiu-a e o Governo português foi a reboque. Não foi o Governo português que teve a iniciativa, foi o Governo irlandês, que é um Governo mais maduro, mais preocupado politicamente com aquilo que está a fazer e menos radical que o Governo português.

Onde é que o Governo vai cortar?
É no costume, é naquilo que é possível cortar. Apesar de todas as campanhas que tem havido, a reforma do Estado não existe, isso é um conceito absurdo, não é que o Governo não o seja capaz de fazer, é que os Estados não se reformam por decreto e não se reformam em seis meses. Tenho alguma esperança que o Governo esteja a fazer algum "bluff" político. Pode acontecer que o Governo imponha cortes que serão chumbados pelo Tribunal Constitucional e que, portanto, os cortes não venham a acontecer. Isso seria muito bom para a economia portuguesa, espero que as pessoas agora percebam que isso são manobras e que se recordem que o Governo fez isso várias vezes no último ano, o chumbo dos cortes aconteceu, houve alturas em que houve enorme dramatismo e não aconteceu nada à economia portuguesa, antes pelo contrário, melhorou a economia portuguesa e melhorar, ligeiramente, as contas do Estado por causa disso.

Portugal pode aprender com outros países?
A Irlanda, onde a austeridade foi muito menor, a Espanha e a Itália. São países com os quais Portugal se pode comparar. O nível de austeridade, o radicalismo das posições do Governo é muito mais próximo da Grécia do que de Espanha, Irlanda ou Itália. É um país mais pequeno, mais periférico, mais pobre, mas isso não justifica que não se faça nada, que se esteja do lado da troika, que se esteja do lado dos credores, que se esteja do lado da austeridade máxima. Não se justifica, é uma coisa que vai ficar na história, seguramente, como um grande erro, fruto de uma grande incapacidade do governação, não tenho grandes dúvidas quanto a isso. Há aí uma grande falha que nos afecta a todos e que continuará neste Documento de Estratégia Orçamental, seguramente.

Saída limpa ou programa cautelar?
Seria bom termos, mas a Europa não está a fornecer um verdadeiro programa cautelar e o melhor sinal de que isso é assim é que a própria Irlanda abandonou a ideia. O Banco Central Europeu quer fazê-lo, mas a Comissão Europeia, ainda por cima com este presidente [Durão Barroso] que também não ajuda, e o Governo alemão não o quer fazer. Eu acho que aí Portugal não tem grande escolha senão fazer a chamada saída limpa. As instituições europeias não estão ao nível daquilo que seria necessário. Poder podem, ainda por cima Portugal é um país tão pequeno, não tem custos praticamente nenhuns para o resto da Europa. Não querem dar essa rede ao Governo português.

Os impostos são o “airbag” de Portugal?
Os impostos estão a servir de “airbag” de Portugal. Nos países mais desenvolvidos, nos países em que os bancos centrais estão a funcionar, são os bancos centrais que servem de “airbag”. Portugal, Espanha, Itália e Irlanda não têm banco central a trabalhar para eles. Não é dentro do país em que a luta política se traduz, a partir do Governo, em baixar as pensões, os salários, as transferências, as despesas com a Saúde e com a Educação para arranjar dinheiro para fazer essas almofadas financeiras e para pagar os juros plenamente aos mercados ou à “troika”. Esse financiamento deveria vir através de um banco central. Compreendemos que politicamente é difícil, porque é um país pobre e longe do centro europeu, mas abandonar qualquer tipo de luta política relativamente àquilo que deve ser feito e continuar na senda dos cortes e da austeridade, prejudicando a economia, eu fico escandalizado com isto, eu ando chocado há três anos com isto. Há três anos as pessoas não sabiam quais seriam as consequências do enorme aumento de impostos ou dos cortes brutais nos subsídios e por aí fora. Hoje sabem têm que olhar com atenção para o que aconteceu para perceber que este não é o caminho, para perceber que o caminho é europeu e não nacional. Precisamos de um Governo europeu e não nacional, falsamente nacionalista.