Luísa Pinto, in Público on-line
Até final de Fevereiro foram assinados 26 acordos de colaboração com o IHRU que implicam 710 milhões de euros para resolver carências habitacionais de 14.705 famílias.
O Governo quer resolver os problemas de carências habitacionais a 26 mil famílias até 2024 – é esse o programa que apresenta no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), onde inscreve os 1251 milhões de euros que pretende ir buscar em subvenções para executar o programa de apoio ao acesso à habitação. E só até final de Fevereiro, o Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) já se comprometeu com 25 câmaras, com quem assinou 26 acordos de colaboração (em Évora foram assinados um com a câmara e outro com a empresa de habitação municipal, a HabEvora), em que o financiamento atinge 710 milhões de euros para resolver os problemas habitacionais de 14.705 famílias. Ou seja, mais de metade dos objectivos do PRR para o programa de apoio ao acesso à habitação estão comprometidos, apenas com 25 autarquias.
Estes acordos fazem parte das Estratégias Locais de Habitação (ELH) no âmbito do programa 1.º Direito que foram entregues pelos municípios ao IHRU. Para além das 25 que já assinaram os acordos (Arruda dos Vinhos, Lisboa, Almada, Oeiras, Matosinhos, Évora, Loulé, Lousada, Porto, Funchal, Alijó, Paredes, Torre de Moncorvo, Marvão, São João da Madeira, Mafra, Mirandela, Ribeira de Pena, Espinho, Idanha-a-Nova, Grândola, Alcanena, Silves, Viseu e Setúbal) há ainda 30 autarquias que têm as suas ELH em avaliação pelo IHRU, e outras 10 têm estratégias já validadas e a aguardar assinatura de acordo “para breve”, disse ao PÚBLICO fonte do Ministério das Infra-estruturas e da Habitação (MIH).
De acordo com a mesma fonte, as 35 estratégias já entregues e validadas pelo IHRU abrangem cerca de 29 mil famílias em carência habitacional – o que significa que o financiamento conseguido via PRR (se este for aprovado) não será suficiente para resolver todos os problemas de carência habitacional encontrados no país num levantamento feito pelo IHRU em 2018, e que permitiu ao Governo chegar ao número de quase 26 mil famílias com carências habitacionais. Carências essas que o Governo de António Costa anunciou pretender erradicar até ao 25 de Abril de 2024, altura em que se assinalam os 50 anos da revolução.
Paula Marques, vereadora da habitação de Lisboa, e também presidente da Associação Portuguesa de Habitação Municipal (uma estrutura com 25 associadas e mais de 63.700 fogos sob sua gestão) diz que tanto o levantamento feito pelo IHRU como as necessidades inscritas pelos municípios nas ELH que já estão entregues e validadas são diagnósticos ultrapassados. “Ninguém contou com os efeitos desta pandemia, que vai agravar as situações de carência em todos os níveis”, assevera.
Comparticipação a 100%
Diagnósticos e necessidades à parte, o Ministério da Habitação não deixará de usar o PRR como o principal instrumento de financiamento do Programa 1.º Direito, pelo menos até Julho de 2026. Por isso, a alteração nas percentagens de financiamento anunciadas pelo ministro Pedro Nuno Santos na passada sexta-feira, durante a sessão pública de discussão das matérias relacionadas com a habitação no âmbito do PRR. “Se, até aqui, os valores da comparticipação a fundo perdido variavam em média entre os 30% e os 50%, com este financiamento via PRR conseguiremos garantir uma comparticipação a 100% às primeiras 26.000 soluções habitacionais entregues às famílias”, confirma o gabinete do ministro da Habitação, sublinhando que serão elegíveis a esta comparticipação integral “todos os investimentos em curso desde o dia 1 de Fevereiro de 2021, conforme previsto no Regulamento que cria o Mecanismo de Recuperação e Resiliência”.
Ou seja, os acordos de celebração já assinados e que previam um investimento total de 710,6 milhões de euros, dos quais 274,5 milhões a fundo perdido e 275,7 milhões com recurso a empréstimo bonificado junto do IHRU, estão ultrapassados. Porque a componente de fundo perdido pode aumentar, assim as autarquias consigam avançar para a execução dos investimentos.
O 1º Direito prevê vários formatos de intervenção na resolução dos problemas habitacionais (construção, reabilitação, aquisição) e envolve públicos e privados – ou seja, um privado também pode obter financiamento para executar obras no âmbito do Primeiro Direito. E, como explica o Governo na redacção do PRR que tem em discussão pública, o 1.º Direito - Programa de Apoio ao Acesso à Habitação tem uma abordagem “mais transversal” do que os anteriores programas de promoção pública de habitação social, uma vez que inclui outras carências: ausência de infra-estruturas e equipamentos básicos, insalubridade e insegurança do local de residência, a precariedade ou inexistência de vínculo contratual, a sobrelotação ou inadequação da habitação às necessidades especiais dos residentes com deficiência ou mobilidade reduzida.
No total, são 223 os municípios em contacto com o IHRU para trabalhar na sua Estratégia Local de Habitação (35 ELH já validadas, 30 ELH em processo de avaliação no IHRU e 158 ELH em elaboração).
Nas intervenções previstas nos 25 municípios com Acordo de Colaboração assinado, 57 % são de reabilitação, 20 % são de construção e 22 % são de aquisição (maioritariamente para reabilitação posterior), sendo que apenas 1 % corresponde a soluções de arrendamento para subarrendamento. Recorde-se que neste último caso, e se se tratarem de reconversão de fogos que estavam em Alojamento Local para serem colocados no arrendamento acessível, os municípios podem usufruir de outra linha de apoio, também através do IHRU, e que tem uma dotação orçamental de nove milhões de euros até 2022.
A portaria que a regulamenta foi publicada em Dezembro, mas até agora ainda nenhum município pediu apoios – só a câmara do Porto enviou perguntas, manifestando o interesse que teriam em que esta comparticipação de apoio à renda seja atribuída relativamente a todos os imóveis abrangidos pelo Programa Porto com Sentido, que não se direcciona apenas a imóveis afectos à exploração de Alojamento Local. Durante o ano de 2020, e apesar das vantagens concedidas, apenas 20% dos imóveis afectos ao Programa Porto com Sentido são provenientes da actividade de Alojamento Local, confirmou ao PÚBLICO fonte da Câmara do Porto.
Programa 1.º Direito executou até agora 17 milhões de euros
O Programa 1.º Direito foi publicado em Maio de 2018, e implica que os municípios desenhem as suas estratégias locais de habitação, documentos prospectivos onde definem as necessidades de intervenção, e investimento, a executar ao longo de seis anos.
Em Junho de 2019, o município de Arruda dos Vinhos foi o primeiro do país a assinar com o IHRU um Acordo de Colaboração para obter apoio financeiro para realojar 31 famílias do concelho. O investimento previsto foi de quase um milhão de euros, que iria ser usado na requalificação de 16 moradias e na construção de um novo bloco habitacional, com três pisos e 15 fogos.
O último município a assinar um acordo com o IHRU foi a Câmara de Setúbal, que identificou um total de 4459 famílias a viver em condições indignas, e garantiu que os problemas de 1543 famílias seriam salvaguardados através do Acordo de Colaboração que define um montante global de investimento de 20,5 milhões de euros por parte do IHRU, dos quais 11,69 milhões de euros são financiamento a fundo perdido. Passam todas pela reabilitação de fracções ou de prédios habitacionais.
Um ano e oito meses depois de todos estes documentos assinados, o Ministério da Habitação diz que se encontram já concretizadas 178 soluções habitacionais e foram executados 17 milhões de euros. É um programa de execução necessariamente lenta.
A Câmara de Évora foi uma das que já recebeu financiamento. A coordenadora da Unidade de Habitação e Reabilitação Urbana da Câmara de Évora, Susana Mourão, explica que a implementação do 1º Direito “exige um enorme empreendimento humano para a sua concretização”, desde os beneficiários e as entidades beneficiárias, os serviços municipais, o IHRU, os serviços de arquitectura que se associarão a este projecto assim como as empresas de construção. “Uma simples resposta apoiada pelo 1.º Direito poderá demorar um ano de candidatura e aprovação do contrato de financiamento, e seis meses a um ano para a realização das obras”, explica Susana Mourão.
Évora foi mesmo o único município que, até agora, celebrou já dois acordos de financiamento – um directamente a autarquia, outro feito pela empresa municipal HabÉvora. A Estratégia Local de Habitação de Évora foi entregue ao IHRU em Janeiro de 2020 e identificava carências em 1336 agregados habitacionais. Em Maio desse ano iniciaram o diálogo para o financiamento das soluções habitacionais, e chegaram à conclusão que seriam necessários 63 milhões de euros. Em Maio foram apresentadas as candidaturas ao IHRU, os acordos de colaboração foram assinados em Julho.
O acordo assinado com a câmara visa financiar 200 habitações destinadas a famílias carenciadas e envolve um investimento de cerca de 17,2 milhões, dos quais 7,8 milhões de euros são financiamento a fundo perdido. O acordo de financiamento assinado entre o IHRU e a HabÉvora visa suportar soluções habitacionais para 267 famílias, envolvendo um investimento de aproximadamente 15 milhões de euros, dos quais 5,7 milhões serão comparticipação não reembolsável.
Depois dos acordos de financiamento aprovados, é necessário apresentar candidaturas junto do IHRU. Évora fez duas: a reabilitação de 14 habitações devolutas da empresa municipal HabÉvora e apoio técnico à gestão de candidaturas ao 1.º Direito durante nove meses.
“Já assinámos os contratos de financiamento de ambas candidaturas e as 14 habitações foram atribuídas e os contratos de arrendamento assinados para 14 agregados familiares. E, por outro lado, a equipa que virá trabalhar no apoio técnico no âmbito da gestão de candidaturas ao 1.º Direito, já foi contratada”, informa a coordenadora da Câmara de Évora.