in Público on-line
Os técnicos do Instituto de Apoio à Criança (IAC) encontraram no ano passado mais de 100 crianças nas ruas de Lisboa e receberam outras 49 denúncias de menores que tinham fugido das instituições ou simplesmente deambulavam pela cidade.
A presidente do IAC, Manuela Eanes, relatou à Lusa que a carrinha do instituto, que percorre alguns dos bairros mais problemáticos da capital - como os Anjos, o Intendente e Cais do Sodré -, encontrou no ano passado “mais de 110 crianças em contexto de rua”.
Este serviço, que percorre a cidade de dia e de noite, foi criado para prevenir novos casos de jovens sem-abrigo. Ao instituto, porém, também chegam pedidos de ajuda para encontrar crianças desaparecidas e denúncias de menores que andam sozinhas pelas ruas da cidade.
“A maioria dos casos são encaminhados pelo SOS Criança ou então são crianças que fogem das instituições do Ministério da Justiça ou de casas particulares”, explicou Manuela Eanes, acrescentando que existem equipas que, “a qualquer hora do dia”, vasculham a cidade até encontrar os menores.
De acordo com a responsável da instituição, em 2011 foram acompanhadas “49 situações de denúncia”.
Manuela Eanes recorda que, quando a instituição começou a trabalhar nesta área, o panorama era bem mais dramático: “Em 1999, havia cerca de 500 crianças na baixa de Lisboa a dormir nas grelhas do metropolitano, em vãos de escadas, com uma vida muito difícil. Tinham saído de casa, da escola e andavam em bandos”.
Na primeira fase do projecto, entre 1989 e 1994, foram retiradas da rua 600 crianças. “Nós não estávamos à espera que as crianças viessem ter connosco. Nós íamos ter com elas e estabelecia-se logo um companheirismo”, recorda, defendendo que “cada criança que sai da rua e começa uma caminhada tem um rosto, não é um número”.
Entretanto, o IAC começou a actuar em zonas específicas da cidade onde habitualmente existem mais riscos para os menores. Este ano, o instituto está nos bairros da Boavista, Arroja e Bairro Bem-Saúde, onde trabalha diariamente com 357 crianças e 30 famílias.
A instituição tem ainda dois centros de desenvolvimento e inclusão juvenil em Lisboa, com acções diurnas e nocturnas, actividades lúdico-pedagógicas e um acolhimento em emergência com duas camas, para situações em que “a criança não tem onde ficar”.
Estes dois centros apoiam neste momento 514 crianças com problemas familiares, maioritariamente entre os 10 e os 16 anos.
Além do trabalho realizado em Lisboa, o IAC faz ainda parte da rede “Construir Juntos”, que reúne cerca de uma centena de instituições que lidam com “crianças em situação de marginalidade e delinquência”.
Em tempos de crise, Manuela Eanes reconhece que já sofreu algumas “angústias financeiras”. Hoje, a presidente do IAC vai reunir-se com o presidente da Portugal Telecom, entidade que decidiu apoiar o Projecto com Crianças de Rua.
Criado há 29 anos, o IAC tem vindo a denunciar o problema das crianças mal tratadas e abusadas sexualmente. Quando começaram a alertar para os casos de abuso sexual de menores este era um fenómeno escondido: “Em 1983 começámos a trabalhar com estas crianças mas, em Portugal, a maioria das pessoas só ficou alertada para a problemática do abuso sexual de menores com o caso Casa Pia”, recordou.
Manuela Eanes lembrou que, na altura, não exista o serviço SOS Criança, criado em 1988, e, por isso, “quando alguém se apercebia de que uma criança era vítima de violência doméstica ou sexual, ninguém falava, porque as pessoas tinham medo”.
Hoje o cenário é melhor, mas Manuela Eanes reconhece que ainda há muito trabalho para fazer.