Joana Gorjão Henriques, in Público on-line
No ano passado a ONU fazia um retrato de discriminação e racismo subtil em Portugal Pedro Cunha/Arquivo .
Alteração à lei que aumenta o prazo de prescrição de infracção para cinco anos.
O Governo quer duplicar o tecto máximo de multas por discriminação. Numa proposta de alteração da Lei contra a Discriminação Racial prevê-se que as pessoas singulares possam ser alvo de multas num valor entre um a dez salários mínimos (o máximo eram cinco), e as pessoas colectivas entre um e 20 (eram dez) – ou seja, a multa pode atingir um máximo de 4850 euros e de 9700 euros, respectivamente. As associações dizem que o Governo devia ter ido mais longe.
Nas alterações estão também previstos o aumento do prazo de prescrição das infracções de um para cinco anos, sem diferenciação entre pessoa colectiva ou singular, e o alargamento do âmbito da aplicação da lei que actualmente estabelece um quadro jurídico para "o combate à discriminação baseada em motivos de origem racial ou étnica" – pretende-se acrescentar "cor, ascendência, nacionalidade, território de origem ou religião".
Se as alterações à lei forem aprovadas na Assembleia da República, vai passar a existir uma base de dados que permite registar que pessoas ou entidades colectivas já foram alvo de condenações por discriminação, o que permitirá um eventual agravamento da pena no caso de reincidência – a autorização terá que ser dada pela Comissão Nacional de Protecção de Dados, que já emitiu um parecer favorável, e só será formalizada quando as alterações forem publicadas em Diário da República, esclarece Nuno Correia, chefe de gabinete de Feliciano Barreiras Duarte, secretário de Estado do ministro adjunto e dos Assuntos Parlamentares.
O documento, que acaba de ser finalizado pelo gabinete de Feliciano Barreiras Duarte, será enviado para agendamento no Conselho de Ministros, mas com a demissão do ministro dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas, que tem a tutela da área, ainda não se sabe quando.
Recusa de bancos multada
O objectivo é tornar a lei mais eficaz. Desde 2005 que houve apenas sete condenações por discriminação.
O documento propõe ainda o alargamento daquilo que é considerado prática discriminatória prevista na actual lei. Assim, às práticas discriminatórias "em razão da pertença de qualquer pessoa a determinada raça, cor, nacionalidade ou origem étnica", que "violem o princípio da igualdade", o executivo quer acrescentar à actual lei "recusa ou condicionamento de venda, arrendamento ou subarrendamento de imóveis" a recusa ao acesso ao crédito bancário e a recusa ou penalização na celebração de contratos de seguro; à actual recusa ou limitação de acesso aos serviços de saúde pretende-se acrescentar a recusa ou limite a acesso a qualquer tipo de transporte público. Entre outras alterações, a proposta cria ainda uma alínea que prevê como prática discriminatória "o incitamento à xenofobia contra uma pessoa ou grupo de pessoas de nacionalidade estrangeira".
Outra alteração é a possibilidade de as agências de emprego serem arguidas em processos de contra-ordenação na contratação laboral e o reforço do dever de as entidades públicas e privadas de cooperação com a Comissão Para a Igualdade e contra a Discriminação Racial, prevendo que a falta de cooperação possa ser alvo de contra-ordenação. Há ainda a possibilidade de as coimas serem substituídas por suspensão ou trabalho a favor da comunidade.
Outra proposta é o Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural passar a poder fazer a instrução dos processos de contra-ordenação, algo até agora da competência das inspecções-gerais, de modo a resolver "conflitos de competência" e situações que geram morosidade, prescrição de processos ou decorrem de "falta de experiência e especialização destas entidades em processos desta natureza".
Nove anos depois da entrada em vigor da lei, de 2004, que transpõe uma directiva europeia, o Governo fez uma avaliação e concluiu que há dificuldades na instrução dos processos e na sua aplicação, explicou Nuno Correia. O chefe de gabinete de Feliciano Barreiras Duarte confirmou que as alterações surgem também em sequência de um relatório do Comité para a Eliminação de Discriminação Racial da ONU de 2012 que traçava um retrato de discriminação e racismo subtil em Portugal, sublinhando que as pessoas de origem africana estavam subrepresentadas nos processos de tomada de decisão política e institucional, não tinham igualdade de acesso à educação, aos serviços públicos, ao emprego e eram discriminadas no sistema de justiça, vítimas de discriminação racial e de violência pela polícia.
Preocupado com a ineficácia do sistema de queixas e poucas decisões tomadas desde a criação da Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial, a comissão da ONU chamava a atenção para o número de casos não resolvidos e aconselhava o Estado a tomar medidas para aumentar a confiança da população no sistema judicial, bem como a encurtar os procedimentos judiciais.
A organização europeia Fundamental Rights Agency, citada pelo documento do Governo, mostrava num inquérito de 2009 aos 27 Estados-membros da UE que, em Portugal, 82% dos que se sentiram vítimas de discriminação não apresentaram queixa - 78% desses por considerarem que nada iria acontecer.