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Partidos apontam para uma solução intermédia, em que o Ministério Público poderá, em certos casos, avançar sem queixa
É uma das questões mais sensíveis no debate em curso no parlamento e, também por isso, que mais divide não só os partidos como as entidades que têm sido ouvidas - a violação deve ou não ser qualificada como crime público, deixando assim de depender da queixa da vítima?
O projecto de lei apresentado pelo Bloco de Esquerda - que foi aprovado na generalidade, mas foi entretanto chumbado - avançava nesse sentido, que é também o apontado pela Convenção de Istambul. Para a deputada bloquista Cecília Honório, esta é "uma alteração de paradigma que se impõe". Mas os restantes partidos mostram reservas, e no grupo de trabalho tem-se apontado para uma posição intermédia, que já foi usada para o crime de maus-tratos, antes de este se tornar público - uma espécie de crime quase público, em que a decisão caberá ao Ministério Público, levando em conta a vontade da vítima.
"Excessivo" Para a deputada socialista Isabel Moreira a definição da violação como crime público será uma alteração "muito brusca" e "excessiva" como passo inicial. "Tenho dificuldades em entender que o Estado possa avançar, diga a vítima o que disser", afirmou ao i, sublinhando que neste quadro há uma "substituição da vontade da vítima pela vontade do Estado". "Acho excessivo, a vontade da vítima é irrelevante", refere a parlamentar do PS e constitucionalista, que defende que será de ponderar uma solução intermédia. Um cenário que foi também sugerido pelo penalista Rui Pereira, numa audição no parlamento: "Talvez valha a pena encarar, como plataforma transitória, a transformação da violação num crime dessa natureza, quase público, em que o Ministério Público possa dar início ao processo, tendo em conta que, em muitas situações, a estigmatização, vergonha e até pressões dos criminosos impedem que uma mulher violada faça a respectiva queixa".
Para Teresa Anjinho, do CDS, esta é uma proposta "sensata". "Deve haver uma protecção da vontade da própria vítima", refere ao i, sublinhando o perigo de uma "vitimização secundária", um alerta que também foi deixado por algumas das entidades que têm colaborado com o grupo de trabalho. Carla Rodrigues, do PSD, também aponta para uma solução intermédia: a vontade da vítima não deve ser irrelevante, mas "é importante que se dê ao Ministério Público o poder de actuar, para protecção da comunidade". "Temos que encontrar aqui uma solução intermédia", sublinha a deputada.
Entre as entidades ouvidas no grupo de trabalho as posições são divergentes. Para o Conselho Superior da Magistratura (CSM) "deverá ser à vítima que deve caber sempre a decisão". A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), no parecer que enviou ao parlamento, diz acompanhar "as preocupações manifestadas pelo CSM quanto à natureza pública deste crime quando cometido sobre adultos, por não estarmos certos de que essa seja a melhor forma de acautelar os interesses da vítima". Já a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas e a União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) manifestam-se favoráveis à tipificação da violação como crime público.
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