Ana Gerschenfeld, in Público on-line
Pela primeira vez, um estudo permitiu avaliar a evolução das atitudes de cooperação das pessoas em função da sua idade. Os resultados poderão ajudar a fomentar o espírito de cooperação nos jovens.
Os seres humanos são, de uma forma geral, excepcionalmente cooperantes quando comparados com outros animais sociais. E segundo resultados agora publicados na revista Nature Communications, globalmente essa atitude não depende da idade – excepto em dois casos, que dizem respeito às pessoas mais idosas e aos pré-adolescentes e adolescentes, colocando estes dois grupos etários nas antípodas.
“A questão de saber por que é que cooperamos [para obter um benefício comum] com pessoas com as quais não temos qualquer relação permanece em aberto”, explicam no seu artigo Mario Gutiérrez-Roig, da Universidade de Barcelona (Espanha) e colegas.
Agora, pela primeira vez, estes cientistas decidiram ver como essa atitude evoluía ao longo da vida. Para isso, realizaram duas experiências “no terreno”, sob forma de um jogo inspirado num exemplo clássico de situação em que as pessoas devem tomar a decisão de colaborar (ou não) com um desconhecido: o chamado “dilema do prisioneiro”.
Na primeira experiência, realizada durante uma feira de jogos de tabuleiro em Barcelona, em Dezembro de 2012, a equipa instalou uma dúzia de computadores num stand da feira e recrutou 168 voluntários com 10 a 87 anos de idade entre os visitantes, explica em comunicado a Universidade Carlos III de Madrid, que participou no estudo. A segunda experiência decorreu numa escola de Barcelona, junto de 53 alunos com 12 a 13 anos de idade.
Na experiência junto do público, os participantes foram distribuídos por grupos em função da idade. A versão do dilema do prisioneiro utilizada era a seguinte: ao longo dos 25 rounds que durava o jogo, dois “jogadores” tinham de escolher, em dada situação, entre cooperar e não cooperar, recebendo diferentes recompensas conforme as suas acções. Mais precisamente: ambos os jogadores recebiam um certo número de pontos quando ambos cooperavam; quando um cooperava e ou outro não, o primeiro recebia uma recompensa inferior à do primeiro (sim, o “traidor” era mais bem recompensado); e quando nenhum dos dois cooperava, não havia recompensa para ninguém. No fim, os pontos eram transformados em dinheiro e os participantes (ou os seus pais, se fossem menores de idade) imediatamente pagos.
O resultado mais notável desta primeira experiência foi o facto de as decisões dos mais novos serem muito mais imprevisíveis do que as dos outros grupos etários.
“Em geral, as pessoas têm em conta o que os outros têm feito quando colaboram, mas os nossos resultados mostram que os adultos também levam em conta as suas próprias acções passadas”, diz Yamir Moreno, co-autor da Universidade de Saragoça, no mesmo comunicado. “[Os adultos] têm tendência para acabar por colaborar; a sua reacção é mais previsível e ajuda um pouco a alimentar o espírito de cooperação.”
Adolescentes imprevisíveis
Já o comportamento dos mais novos não segue este padrão, explica Gutiérrez-Roig: “Segundo o nosso estudo, os miúdos são mais voláteis nas suas decisões; não têm uma estratégia definida e a sua cooperação é principalmente condicionada (…) pelas atitudes dos outros. Olham para o que os outros jogadores fazem e reagem de acordo com isso, em vez de serem condicionados pelas suas próprias acções passadas.” Ora, “isso dificulta o desenvolvimento de um ambiente cooperativo”, diz ainda o cientista.
Na outra extremidade do leque etário, está um outro resultado notável, diz por seu lado o co-autor Anxo Sánchez, da Universidade Carlos III de Madrid. “Os que têm acima de 65 anos parecem ser mais cooperantes do que os dos outros grupos etários”, salienta, “embora aqui ainda seja preciso testar o resultado de forma mais aprofundada”.
Um resultado, acrescenta este cientista, que sugere que “baixar a idade da reforma poderá não ser benéfico para as empresas e que seria interessante encontrar maneiras de manter este grupo etário activo ou numa situação alternativa para que conseguissem continuar a ser cooperativos”.
A segunda experiência (junto dos alunos de uma escola) permitiu confirmar e afinar o primeiro resultado, relativo aos mais jovens. Aqui, diz Carlos Gracia-Lázaro, co-autor da Universidade de Saragoça, “as crianças foram mais cooperativas, mas o seu comportamento permaneceu igualmente imprevisível”. E enfatiza: “Estes resultados levam-nos a pensar que existe uma componente evolutiva e cultural ao longo do ciclo de vida e que a propensão para colaborar é uma qualidade que pode ser aprendida.”
Essa falta de cooperatividade parece ser específica dos adolescentes e pré-adolescentes. “Estudos anteriores”, lê-se ainda no comunicado, “já indicavam que entre os seis e os dez anos, as crianças desenvolvem um sentido da cooperação – e o novo estudo aponta para o momento em que essa situação muda: a adolescência”.
“As causas disso não são claras”, diz Sánchez, “mas pensamos que, nas fases mais precoces [do desenvolvimento psicológico], as crianças começam por ser mais empáticas e altruístas. Porém, à medida que crescem, poderá existir uma fase durante a qual os jovens acreditam que o facto de perceberem o outro os coloca numa posição em que se podem aproveitar desse outro”. Trata-se porém de uma “ideia um pouco intuitiva”, diz Moreno, que também seria preciso aprofundar.
Seja como for, a equipa pensa que o estudo pode ter implicações na definição de estratégias para fomentar a colaboração nas crianças e jovens adolescentes. “Seria necessário desenvolver estratégias específicas, diferentes das que são usadas com os adultos, para promover a transição para uma conduta pró-social mais persistente nos miúdos”, argumenta o co-autor Josep Perelló.