por Filipe d'Avillez, in RR
Em Junho, a câmara mandou demolir o alojamento a 70 ciganos. O autarca diz que era impossível contactar os residentes, que tinham desaparecido. Mas a Cáritas não concorda e fala em discriminação.
A Cáritas de Beja lamenta a forma como foi demolida a residência de uma comunidade de 70 ciganos, no concelho da Vidigueira, em meados de Junho.
O caso, que foi divulgado esta terça-feira numa reportagem do jornal "Público", envolve duas famílias alargadas de ciganos que viviam num armazém convertido em habitações, conhecido como Parque do Estágio, na Vidigueira.
O edifício foi demolido por ordem da câmara apenas quatro dias depois de todos os residentes terem abandonado o local, temporariamente, no seguimento de uma rixa entre as famílias.
Famílias "desapareceram"
Ao "Público", as famílias queixam-se de não terem sido avisadas da demolição e de terem perdido muitos dos seus pertences debaixo dos escombros. Mas o presidente da Câmara da Vidigueira, Manuel Narra, diz à Renascença que não tinha possibilidade de contactar ninguém, uma vez que os ciganos simplesmente "desapareceram".
"Eu não estou a ver como é que poderíamos ter entrado em contacto com as famílias se não sabíamos onde estavam. Agrediram-se a tiro, houve feridos e, com medo de represálias uns dos outros, pura e simplesmente desapareceram", justifica. "Por isso, seria extremamente difícil ao município conseguir contactar ou procurar algum ponto onde pudesse estabelecer contacto com eles, porque simplesmente desapareceram."
Mas a versão da Cáritas de Beja é diferente. Maria Teresa Chaves, que se encarrega também da pastoral dos ciganos daquela diocese, diz à Renascença que os ciganos estavam a respeitar as regras próprias da comunidade depois de situações de conflito. "Quando isso acontece eles têm de sair do seu local de habitação durante determinado período e depois voltam novamente."
A ideia de que não tenha sido possível contactar ninguém também não colhe junto da Cáritas de Beja. "Por lei, não podem ficar acampados mais de 24 horas no mesmo local e houve várias situações em que a GNR teve de intervir e dizer para saírem dos locais onde estavam a acampar. Era só uma questão de contactar a GNR e informar-se sobre onde se encontravam. Sabemos que algumas tinham ido para Moura, outras para Sines. Era fácil localizá-las porque normalmente vão para junto da sua comunidade”.
Mas Manuel Narra diz que o paradeiro das famílias apenas se tornou conhecido depois da demolição. "Tudo isso sucedeu depois da demolição. Na altura, antes de se proceder à demolição as famílias pura e simplesmente desapareceram", diz, insistindo que um grupo de cerca de 70 pessoas, incluindo crianças e pelo menos uma mulher grávida, conseguiram desaparecer sem deixar qualquer rasto, durante quatro dias, no Alentejo.
Mais: o autarca diz que não existiam quaisquer contactos (como telemóveis) dos membros da comunidade, isto apesar de terem sido acompanhados por serviços da câmara, Segurança Social e GNR e de muitos estarem referenciados por práticas de crimes: "Basta consultar os processos que têm em tribunal por tráfico de droga, posse de armas ilegais, roubo de ferro e de cobre".
Acusações de discriminação
Maria Teresa Chaves reconhece que há problemas com a comunidade cigana, mas diz que há discriminação neste caso.
"Independentemente de por vezes haver alguns membros mais incómodos, não podemos destruir as habitações das pessoas incómodas, porque também temos pessoas incómodas de pessoas de outras comunidades e não vemos a autarquia a destruir as casas deles. Se for esse o critério é complicado, não vejo que haja justificação para o que aconteceu", diz.
Manuel Narra nega qualquer discriminação contra os ciganos, apontando o dedo para os vereadores do PS, que terão desencadeado o processo, fazendo uma queixa em relação à utilização do Parque do Estágio para habitações, contrariamente ao plano de desenvolvimento municipal, que não o permitia.
Segundo o presidente da câmara, a autarquia estava apenas a cumprir ordens da Inspecção-Geral de Finanças quando procedeu à demolição.
"Lamento imenso que estes vereadores tenham tido este comportamento, porque a zona foi habitada há algum tempo por imigrantes russos e ucranianos, e eles nunca tiveram esta posição política de denúncia da situação. Foi preciso esta comunidade cigana ocupar o espaço para terem este comportamento, quanto a mim indigno, porque estava a ser desenvolvido um projecto, estávamos a ter os primeiros resultados, porque uma das famílias já tinha sido integrada na malha urbana", diz, ressalvando que mesmo essa família fugiu na mesma altura que as outras.
"É pena que uma queixa avulsa tenha desencadeado uma série de procedimentos legais e que a câmara também fosse confrontada a cumprir com as indicações do poder central, de repor a legalidade", conclui Manuel Narra.