29.4.20

Covid-19. Às escuras, autarcas esperam pelo guião do desconfinamento do pequeno comércio

Isabel Paulo, in Expresso

Com o fim anunciado do estado de emergência, os comerciantes de rua aguardam o manual de instruções para reabrirem as suas atividades. Autarcas não foram consultados sobre que medidas cautelares irão ser impostas a quem fica atrás do balcão e à clientela. Todos esperam que se faça luz na

menos de uma semana da reabertura progressiva das atividades económicas, ainda ninguém sabe, ao certo, como irá funcionar o pequeno comércio, das sapatarias ao oculista, do barbeiro à loja de pronto a vestir. Será permitido experimentar calças e vestidos? Haverá possibilidade de fazer trocas? Como vai ser a 'geometria' para circular entre expositores e vestiários? De máscara ou de viseiras e luvas? E como será regulada a entrada nas lojas a partir de 4 de maio?

São estas e outras as incógnitas ainda em busca de resposta. Todos os olhos estão postos no Conselho de Ministros da próxima quinta-feira, o Dia D do comércio de rua e de milhares de micro empresas, de Norte a Sul do país, que viram as suas vidas suspensas pela pandemia e desesperam pela retoma. “A reabertura é bem vinda, mesmo com restrições”, diz Paulo Cunha, presidente da Câmara de Famalicão, que lembra que o comércio local é das atividades mais expostas à 'mortalidade' súbita.

O autarca social-democrata sublinha que os pequenos comerciantes durante um mês e meio mantiveram a mesma estrutura de despesas, na maioria dos casos sem acesso a linhas de apoio ou empréstimos bancários, e inibidos de irem para lay-off se forem sócios-gerentes. O autarca do PSD defende, por isso, ser essencial que voltem a abrir rapidamente as portas para “terem alguma receita”, lamentando que o Governo não tenha consultado os políticos locais, embora desconheça se o fez através da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP). “Nesta crise toda, ao longo de 40 dias, a única notícia que me chegou da ANMP foi um esclarecimento sobre um diploma legal”, garante.

Sem notícias da ANMP está também Emídio Sousa, que não sabe ainda “as regras com que se irão coser” os micro e pequenos comerciantes de Santa Maria da Feira. “Neste momento, o que sei é através da comunicação social e o que vai sendo dito pelo Primeiro Ministro, mas não ficamos parados”, garante o autarca do PSD e ex-presidente da Área Metropolitana do Porto.

Apesar de não saber a que medidas ficarão sujeitos os pequenos negócios, Emídio Sousa tem reunido com a autoridade de saúde local e representantes da ASAE para “preparar um documento” que sirva de manual aos comerciantes e ao sector da restauração logo que sejam conhecidas as orientações do Governo, nesta quinta-feira. Para evitar o crescimento do surto, defende uma retoma prudente, sem aglomerações, com obrigatoriedade de máscaras para funcionários e clientes, não prevendo sequer oposição à recolha de temperatura nos restaurantes, na segunda volta de reaberturas, previsivelmente a 18 de maio.

José Manuel Ribeiro, presidente da Câmara de Valongo, também aguarda para ver como será feito o retorno, primeiro do comércio local e a seguir da hotelaria e restauração. O autarca e candidato às próximas eleições da Federação Distrital do PS do Porto confessa estar “preocupado” com o reinício do comércio, por recear novas vagas de contágio, num dos concelhos mais castigados pela Covid-19.
“Mais vale abrir com restrições a mais do que a menos”, diz, pedindo ao Governo medidas de “tolerância zero” para quem não cumprir regras de segurança.

Na Maia, António da Silva Tiago também ignora se o Governo tem consultado a ANMP sobre o recomeço da atividade do pequeno comércio. O autarca do PSD pede uma reabertura gradual, sem precipitações, monitorizada e avaliada a cada duas semanas, de forma a perceber o impacto do retoma na curva epidemiológico. Para aliviar a carga de despesa aos comerciantes que viram as suas atividades suspensas, Silva Tiago optou por não cobrar taxa de derrama nem a taxa fixa das faturas de água e resíduos, paga a 50% no caso dos espaços que não fecharam.

CASCAIS E MAFRA QUEREM MAIS 'AR LIVRE'
Enquanto espera pelo anúncio das medidas do Governo, esta quinta-feira, Carlos Carreiras aposta na produção em massa e venda de máscaras para que a retoma do comércio seja feita em segurança. Sem empresas locais para as fabricar, o presidente da câmara de Cascais pôs mãos à obra, encomendou máquinas e antecipa que a autarquia está em condições de produzir 850 mil máscaras por mês para distribuir pelas IPSS do concelho, a partir de de 2 de maio. “A meta é produzir três milhões de máscaras para travar a especulação”, diz.

Para maiores de 65 anos e doentes crónicos as máscaras serão gratuitas, para os restantes cidadãos de Cascais vendidas a 30 cêntimos. “O que quero é que os nossos munícipes saiam à rua protegidos e que os nossos comerciantes abrem as portas com equipamentos de proteção”, assegura o autarca do PSD, que afirma estar a criar condições para testar toda a população em centros de rastreio, a € 5 por colheita.

Para a sobrevivência do comércio local, Carlos Carreiras, logo que sejam conhecidas as recomendações do Governo, irá reunir com as associações sectoriais, para preparar um manual de procedimentos e ações formativas para os vendedores. Na restauração, sendo certa a redução da capacidade dos espaços, vai propor que neste verão a zona de esplanadas seja alargada, “duplicando a área para mesas de restaurantes e cafés”, após ter ouvido queixas que, face à limitação de clientes e elevados custos de higienização, “não se justifica abrir”. Isenção por seis meses das taxas de espaços públicos é outra das medidas de apoio ao sector.

Em Mafra, Hélder Sousa Silva, líder dos autarcas sociais-democratas, tem vindo a articular a reabertura das atividades com as associações de comércio locais e com a Associação da Restauração e Similares de Portugal (ARESP). Num concelho “vocacionado para o turismo”, o autarca decidiu suspender a cobrança da taxa turística - € 2 na época alta, metade na baixa -, apostando sobretudo este ano nos veraneantes portugueses.

Independentemente das medidas que venham a ser impostas, Sousa Silva defende ser fundamental ganhar a confiança de quem está em casa, dando garantias que os espaços estão higienizados e quem os recebe devidamente equipados. “Estamos a preparar um kit de máscaras cirúrgicas e de uso social e gel para distribuir, segunda-feira pelos comerciantes, num total de dois mil kits”, avança o presidente da Câmara de Mafra, que está a ultimar o lançamento de uma plataforma de venda online que agregue os pequenos negócios do concelho, numa espécie “de centro comercial virtual”.
Para facilitar o pagamento e estimular o recurso ao comércio local vai ainda ser lançado um cartão de fidelização pré-pago, com aculução de pontos de desconto. Tal como o autarca de Cascais, Hélder Sousa Silva também quer alargar os espaços de restauração a céu aberto e bares ao ar livre, para compensar as restrições indoor.

A aguardar orientações estão ainda a autarca de Matosinhos, Luísa Salgueiro, Joaquim Pinto Moreira, de Espinho, Aires Pereira, da Póvoa do Varzim, Ricardo Rio, de Braga, Miguel Alves, de Caminha, ou António Pina, de Olhão e líder da Comunidade Intermunicipal do Algarve.
Pelo contrário, o presidente da Câmara de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues, afiança ter sido consultado enquanto líder da Área Metropolitana do Porto, adiantando apenas que as medidas estão a ser ultimadas e "incluem máscaras e entradas em numero reduzido" nos estabelecimentos.
Qualquer que seja a cor política, todos convergem num ponto: a reabertura, sector a sector, tem de ser em simultâneo para todo o país, salvo em concelhos sujeitos a cercas sanitárias. Abrir atividades região a região levaria a maior circulação entre concelhos e aglomerações, logo um maior risco de propagação do novo vírus.