29.4.20

Relatório da emergência: 993 funcionários de lares infetados, mil milhões de euros em salários cortados, excesso de alimentos

Mariana Lima Cunha, Miguel Santos Carrapatoso, in Expresso

As conclusões são do relatório sobre o segundo estado de emergência, que decorreu até 17 de abril. Situação nos lares preocupa. Houve 1864 profissionais de Saúde contratados para responder ao surto. O ponto de situação em detalhe

Ao mesmo tempo que os portugueses começam a sair mais de casa, durante o segundo estado de emergência - entre 31 de março e 18 de abril -, mais de 80 mil empresas recorreram ao lay-off, o que se traduz numa massa salarial de 1,1 mil milhões de euros afetada (de 1,1 milhões de trabalhadores potencialmente atingidos pela medida). Os dados constam do relatório que o Governo já entregou na Assembleia da República com o objetivo de avaliar a aplicação do segundo estado de emergência, que terminou a 17 de abril.

No documento, o Governo presta particular atenção à preservação do emprego, até porque é um dos objetivos - a par da manutenção do rendimento e da garantia de liquidez dos agentes económicos - que assume como prementes. “O nível de desemprego tem aumentado não obstante os esforços” para preservar postos de trabalho, aponta o relatório, que aponta para uma situação “complexa”, ainda que “gradual”, ao nível do emprego.

993 FUNCIONÁRIOS DE LARES INFETADOS
Mas o relatório também se dedica longamente às consequências sociais no contexto da pandemia, com um enfoque importante na situação dos lares, onde se verifica uma parte muito significativa das mortes em Portugal. O Governo revela assim que até dia 17 de abril foram realizados cinco mil testes em 73 instituições, embora o objetivo seja chegar aos 70 mil testes e progressivamente testar todos os lares.

Mas há uma preocupação evidente: a escassez de recursos humanos nestas instituições. Em boa parte, porque das listas de infetados faz parte, precisamente, um número “significativo” de funcionários dos lares: nestas datas, havia 993 infetados e 2488 em isolamento, o que obviamente “dificulta a prestação de apoios” aos mais velhos. Ao mesmo tempo, verifica-se que se agravou o número de idosos infetados - em três pontos percentuais - desde o primeiro estado de emergência, pelo que, argumenta o Governo, “fica demonstrada a pertinência das medidas especiais de confinamento a que este grupo está sujeito”.

SAÍDAS PARA A PRAIA E À NOITE
O problema é que as medidas de confinamento, no geral, podem estar a surtir menos efeito. Embora o clima geral seja de “acatamento”, o Governo já reconhece que os portugueses começaram a relaxar durante este segundo período de exceção. “Especialmente aos fins de semana, foi registado um crescente fluxo rodoviário para fora das zonas urbanas, rumo em especial às zonas de lazer, zonas litorais e fluviais”. Além das idas a praias e zonas de lazer, também houve um “progressivo aligeirar do cumprimento da lei” sobretudo em “zonas urbanas sensíveis”, mais gente a circular na rua e a juntar-se em “aglomerados” durante a noite.

Ainda quanto ao lado social da crise, foram alvo de atenção do Governo grupos mais vulneráveis, como as comunidades de ciganos e migrantes. Já o nível de criminalidade aumentou: “Os fenómenos capacitadores de linhas de vulnerabilidades decorrentes dos desequilíbrios sociais e económicos que conjugadas com movimentos oportunistas foram indutores de um aumento de burlas, furtos e roubos”.

EXCESSO DE OFERTA DE ALIMENTOS
No que toca aos efeitos económicos da pandemia, os dados do lay-off também permitem perceber quais são algumas das empresas mais afetadas: das que recorrem a este instrumento, a grande maioria são tamanho micro e metade dedica-se ao comércio por grosso e a retalho, comércio de veículos automóveis (um dos setores mais afetados), alojamento, restauração e similares. Entre os setores económicos mais prejudicados encontram-se “mobiliário, de têxtil e vestuário, de produtos de cerâmica e cristalaria, além da montagem de bicicletas”, mas há um caso de crescimento: “a venda de cimento”, “o que pode ser um indício do dinamismo das atividades de construção”.

No setor agroalimentar, um dos que mais preocupam o Governo, uma nota relevante: está a verificar-se um “excesso de oferta” que decorre em grande parte do fecho de hotéis e restaurantes; e será preciso acompanhar com atenção a evolução do mercado internacional para garantir que Portugal não é atingido e “antecipar” possíveis respostas.

CONTRATAÇÕES NO SNS E "VICISSITUDES" DIPLOMÁTICAS
E quanto à resposta ao nível da Saúde? O Governo reconhece dificuldades relacionadas com a procura crescente de ventiladores, testes e equipamento de proteção no mercado mundial, que leva a atrasos nas entregas. Isto a somar a “vicissitudes contratuais várias”, como a alteração de contratos a meio do processo ou das regras de transporte por causa da China, o que tem levado a um “enorme esforço diplomático”.

Ainda assim, por cá o SNS tem mostrado “robustez”, garante o Governo, que adianta ter recrutado 1864 profissionais de Saúde em contratos curtos, de quatro meses, permitidos pelo estado de exceção em que o país se encontra. A 17 de abril, as camas de cuidados intensivos estavam preenchidas a 58%, com 1284 doentes com covid-19 internados e 222 nessas mesmas camas. Já o reforço de ventiladores estava nos 1564 aparelhos. Quanto aos testes, “o SNS melhorou a sua capacidade” - de um total de 223.948 feitos desde que o surto chegou a Portugal, 64,4% aconteceram na primeira metade de abril.

A evolução epidemiológica tinha, até então, sido positiva: o R0 (número de casos que cada pessoa contagia, ainda sem contar com medidas de contenção) era de 2,08 até 16 de março, mas o RT (já a contar com estas medidas) começou a quebrar desde o anúncio do fecho das escolas, situando-se nos 0,98 no final do segundo estado de emergência. No entanto, sabemos que voltou a aumentar nos últimos dias, possivelmente em consequência do tal relaxamento que este relatório já apontava.