Catarina Marcelino, in Sete Margens
A presença dos ciganos em Portugal remonta ao século XV, tendo esta minoria étnica permanecido na Península Ibérica desde então. As comunidades ciganas foram sempre perseguidas e excluídas, tendo sido iniciada por D. João III em 1526 a sua expulsão de Portugal, seguindo-se o decreto de 1538 de deportação para as colónias, em que os homens eram obrigados a trabalhos forçados nas galés, sendo o Brasil o principal destino e as mulheres enviadas, na grande maioria, para África, colmatando assim a falta de presença feminina entre os colonos.
Em 1718, D. João V volta a ordenar a expulsão dos ciganos. Só com a Constituição de 1822 os ciganos passaram a ter direito à nacionalidade portuguesa. Mas o século XX continua a perpetuar a exclusão e a desconfiança entre ciganos e não ciganos, sendo a repressão e a perseguição durante a Ditadura uma constante. Já em Democracia, casos como o de Vila Verde (Braga) em 1996, em que milícias populares expulsaram uma comunidade a quem valeu o então governador civil, Pedro Bacelar de Vasconcelos, são um fado pesado e triste.
É muito importante compreender este passado, porque há de facto uma componente de exclusão e de racismo, que se perpetuaram durante séculos com momentos extremados de grande perseguição e sofrimento, de imigração forçada, de inclusão forçada, obrigando-os a renegar à sua própria língua e cultura.
Hoje, em pleno século XXI, seis séculos após a sua chegada a Portugal, estima-se em cerca de 50.000 pessoas que integram a comunidade cigana e carregam um estigma social alicerçado nas representações negativas da comunidade maioritária construída e alimentada ao longo dos séculos. Estão entre as pessoas mais pobres do país, com níveis de escolaridade muito baixos, sendo uma parte considerável daquelas que vivem em barracas.
Toda a fragilidade social destas comunidades torna-se mais evidente neste momento de pandemia e de estado de emergência. Se é verdade que o contágio pode acontecer com todas as pessoas, também é verdade que o acentuar da pobreza, a falta de rendimentos pelo encerramento de feiras e mercados, a falta de água, de saneamento básico e de habitações condignas, aumenta as fragilidades e expõe-nos mais ao risco de infeção.
Em Moura, um concelho do Baixo Alentejo, com um elevado rácio de população cigana no total de habitantes, há uma comunidade de 33 pessoas infetadas que estão em quarentena num “acampamento”, de onde ninguém entra e ninguém sai, tendo mesmo que ser assim, para o bem dos próprios e de todos os outros mourenses. A infeção espalha-se mais depressa em contextos onde as práticas culturais e sociais são de famílias alargadas, de quotidianos comunitários, reforçada pela pobreza, pelas condições deficientes de salubridade e muitas vezes pela falta de informação.
É preciso prevenir a infeção da covid19, mas também estarmos particularmente atentos aos riscos de discriminação e de tensão social que a propagação do coronavírus nas comunidades ciganas pode provocar, levando eventualmente a atitudes persecutórias e estigmatizantes que são perigosas e indesejáveis.
Os mediadores socioculturais que trabalham com instituições públicas e associações, e os pastores ciganos das Igrejas Evangélicas, de que grande parte das comunidades são seguidoras, podem ter um papel determinante na prevenção e no combate ao vírus, porque são vistos como pares confiáveis e credíveis. Mas, para tal, é necessário criar uma estratégia de formação/informação que seja levada a estes líderes comunitários em todo o território, preparando-os para este importante papel de “agentes de saúde pública”.
É preciso reforçar os pontos de água dos “acampamentos”, é preciso distribuir produtos desinfetantes, é necessário articular com as ONG de pessoas ciganas, que têm feito um trabalho meritório de distribuição alimentar junto das suas comunidades em todo o país. Em suma, é preciso proteger estas comunidades, para que esta minoria já por si socialmente frágil, não venha a engrossar os números fatídicos do coronavírus.