28.4.20

Da emergência para a calamidade pública: o que vai mudar?

João Pedro Henriques, DN

O Governo prepara-se para instituir a situação de calamidade pública, um nível abaixo do estado de emergência. Saiba o que pode mudar.

Será possível manter a ameaça de penas de prisão para quem violar medidas obrigatórias de confinamento? E as suspensões do direito à greve terão de ser levantadas? Vai continuar a ser possível proibir as missas? Em tudo isto o Governo poderá ter de mudar as regras quando se passar do estado de emergência para o estado de calamidade pública.

Esta manhã, o Presidente da República, o primeiro-ministro e os líderes dos partidos parlamentares, bom como os parceiros sociais, entre outros, voltam a reunir no Infarmed, em Lisboa, para a 5ª sessão de apresentação sobre a "Situação epidemiológica da Covid-19 em Portugal". Serão feitas apresentações técnicas por epidemiologistas da DGS, Instituto Ricardo Jorge, Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto e da Escola Nacional de Saúde Pública.

Que lei regula o estado de calamidade pública?

No essencial a Lei de Bases da Proteção Civil. A Lei de Bases da Saúde também interessa, na medida em que dá às autoridades do SNS legitimidade legal para ordenarem "a suspensão de atividade ou o encerramento dos serviços, estabelecimentos e locais referidos [...] quando funcionem em condições de grave risco para a saúde pública", "desencadear, de acordo com a Constituição e a lei, o internamento ou a prestação compulsiva de cuidados de saúde a indivíduos em situação de prejudicarem a saúde pública", "exercer a vigilância sanitária das fronteiras" e "proceder à requisição de serviços, estabelecimentos e profissionais de saúde em casos de epidemias graves e outras situações semelhantes".

O Estado pode continuar a ter o direito de requisitar hospitais privados?

A Lei de Bases da Saúde também diz que em "situações de grave emergência", o Governo pode "requisitar, pelo tempo absolutamente indispensável, os profissionais e estabelecimentos de saúde em atividade privada". .

O que pode levar o Governo a decretar a situação de calamidade pública?

O tipo de acontecimentos que podem levar à situação de calamidade pública ou ao estado de emergência são os mesmos. Aliás, o Regime do Estado de Sítio e de Emergência diz mesmo que "o estado de emergência é declarado quando se verifiquem situações de menor gravidade [do que as que podem levar ao estado de sítio] nomeadamente quando se verifiquem ou ameacem verificar-se casos de calamidade pública".

E que acontecimentos são esses?

O país deve estar confrontado com uma situação de "catástrofe", sendo esta definida como "o acidente grave ou a série de acidentes graves suscetíveis de provocarem elevados prejuízos materiais e, eventualmente, vítimas, afetando intensamente as condições de vida e o tecido socioeconómico em áreas ou na totalidade do território nacional". Decretando-se o estado de calamidade pública, o Estado reconhece "a necessidade de adotar medidas de caráter excecional destinadas a prevenir, reagir ou repor a normalidade das condições de vida nas áreas atingidas pelos seus efeitos".

Qual a principal diferença entre o estado de emergência e a situação de calamidade pública?


A diferença residirá na forma de aprovação. O estado de emergência tem de resultar de um decreto do Presidente da República que recebe parecer favorável do Governo e é depois aprovado no Parlamento. Na calamidade pública, o Presidente da República e a Assembleia da República estão fora da jogada, por assim dizer. A declaração da situação de calamidade é da competência do Governo e reveste a forma de resolução do Conselho de Ministros. Esta não carece nem de aprovação parlamentar nem de promulgação presidencial. A AR e o PR só serão chamados depois a, respetivamente, aprovar e promulgar diplomas que dão andamento à nova situação e não à sua criação propriamente dita.

Mas há outras diferenças?

Há - e são de substância. Segundo os constitucionalistas, o estado de calamidade pública não permite suspensões do direito à greve como as atualmente em vigor; nem a proibição das missas; nem as medidas de confinamento obrigatório de doentes (cuja violação é passível de pena de prisão) visto que a Constituição expressamente diz (artigo 27º) que medidas privativas de liberdade para doentes só em caso de "anomalia psíquica". Às dúvidas dos constitucionalistas, o primeiro-ministro já reagiu com irritação: "Sou jurista sei a capacidade enorme dos juristas em inventar problemas."

A ativação do estado de calamidade pública implica a ativação do Plano Nacional de Emergência de Proteção Civil (PNEC). Ora, por lei, o diretor do PNEC é o primeiro-ministro, o qual será substituído, nas suas faltas ou impedimentos, pelo ministro da Administração Interna. "Compete ao diretor assegurar a direção, coordenação e controlo do PNEC e das medidas excecionais de emergência, com vista a minimizar a perda de vidas e bens e os danos ao ambiente, assim como o restabelecimento, tão rápido quanto possível, das condições mínimas para a normalidade."

Quanto tempo pode durar a situação de calamidade pública?

Caberá ao Governo decidir. A resolução do Conselho de Ministros tem de determinar a sua duração. O que António Costa já disse permite pensar que, como o estado de emergência, terá uma periodicidade quinzenal, renovável ou não.

Quantos estados prevê Lei de Bases da Proteção Civil?

Três. Por ordem crescente de gravidade: situação de alerta, de contingência e de calamidade pública. O estado de sítio (o mais grave de todos) e o estado de emergência (aquele em que o país este desde 19 de março e que terminará dia 2 de maio) estão previstos numa outra lei.


O Estado pode continuar a estabelecer limites à circulação?

Pode. Foi aliás o que aconteceu em Ovar, ainda ainda de ser aprovado o primeiro estado de emergência. Ao estabelecer uma cerca sanitária no concelho, o Governo no essencial proibiu entradas e saídas no concelho. Isto foi feito ao abrigo das normas que regulam a situação de calamidade pública.

As Forças Armadas terão um uso diferente?

Na prática será o mesmo. A lei prevê a sua utilização - no que a este caso interessa - como "reforço do pessoal civil nos campos da salubridade e da saúde, em especial na hospitalização e evacuação de feridos e doentes", "disponibilização de equipamentos e de apoio logístico para as operações", "reabilitação de infraestruturas" e "prestação de apoio em comunicações".