24.4.20

Medidas de apoio à habitação são “úteis, mas insuficientes”, diz Helena Roseta

Rita Neto, Econline

A "mãe" da Lei de Bases da Habitação considera que as moratórias nos créditos e nas rendas e os empréstimos do IHRU não bastam. "Ainda há aqui algumas lacunas", diz.

Moratórias no crédito à habitação, moratórias nas rendas e empréstimos do Estado. Para Helena Roseta, as medidas criadas pelo Governo para apoiar as famílias no que toca à habitação são “úteis” e “relevantes”, mas não resolvem o problema habitacional que se estende há vários anos. Ao ECO, a arquiteta fala em “desequilíbrios” nos apoios dados a senhorios e alerta ainda para outras “lacunas” que não estão a ser valorizadas.

A hipótese de inquilinos adiarem o pagamento das rendas ou pedirem um empréstimo ao Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) para as pagar são medidas “muitíssimo importantes”, “úteis” e “relevantes”. “Mas são insuficientes”, começa por dizer Helena Roseta, criticando, desde logo, os critérios de acesso aos empréstimos. “São um bocado desequilibrados”, aponta.

O regime excecional criado pelo Governo para esta altura de estado de emergência prevê que os inquilinos podem pedir um empréstimo quando percam mais de 20% dos rendimentos e a taxa de esforço ultrapasse os 35%. Mas os critérios são diferentes para os senhorios. Embora estes também tenham de comprovar uma perda superior a 20% dos rendimentos derivada da perda de rendas, não têm a questão da taxa de esforço e o rendimento disponível do agregado familiar não pode ser superior ao IAS, atualmente de 438,81 euros.

“Os senhorios não têm o indicador da taxa de esforço e o intervalo do IAS devia ser mais largo. Isso é desequilibrado e podia ser corrigido”, nota Helena Roseta, defendendo que o IAS definido como teto “é muito pouco e é preciso ajustar”.

Pode haver [senhorios] que adiram [aos empréstimos], mas dificilmente. Porque mesmo as pessoas com poucos rendimentos têm uma pensão, nem que seja uma pensão social.

Face a estas condições, somadas à “data de documentos que são necessários“, a “mãe” da Lei de Bases da Habitação acredita que serão poucos os senhorios a solicitar estes empréstimos. “Pode haver quem adira, mas dificilmente. Porque mesmo as pessoas com poucos rendimentos têm uma pensão, nem que seja uma pensão social”, nota, antecipando que, num todo, “a maioria das pessoas nem deve ir pelo empréstimo, mas sim pelo adiamento”.

Relativamente às moratórias no crédito à habitação, Helena Roseta acredita que é uma medida que “vai no sentido certo”, mas que estamos a assistir ao “jogo do empurra”. “Porque, por um lado, é urgente que o crédito para as famílias venha rapidamente para que estas não percam as casas, e, por outro, temos os bancos preocupados com a insolvência de quem está a pedir”, explica.

“Vamos ter de considerar uma prestação social para a falta de habitação”
Justificando o porquê de defender que estas medidas são “insuficientes”, ao ECO, Helena Roseta fala em “lacunas” que ainda estão por resolver, que vêm de trás. “Ainda há aqui algumas lacunas. Como por exemplo a questão dos sem-abrigo, que são basicamente os municípios a apoiar” e a “questão da habitação precária, principalmente na zona de Lisboa”, com os acampamentos ciganos e os bairros degradados. “Aí não tenho visto medidas. Existem recomendações das Nações Unidas para a habitação precária, mas ainda não vimos nada posto em prática”, afirma.

Outra “lacuna” tem ainda a ver com as residências coletivas, como “lares de idosos” e “pensões de gente pobre”. “Não temos nenhum plano por enquanto para estas pensões e hotéis onde, por vezes, a própria Segurança Social coloca as pessoas sem acesso à habitação. Temos aqui ainda um submundo de habitação precária que precisa de ser olhado com atenção“, diz.

Existem ajudas pontuais, mas não existe algo obrigatório, e que deveria existir. A Segurança Social tem de se adaptar a cada momento às contingências dos cidadãos e a falta de habitação pode vir a ser uma contingência muito grave.

Mas esse é um problema que não é de agora. “O Covid-19 acaba por ser um grande revelador de um problema que vinha de trás”, refere, alertando que é preciso pensar em resolver toda a questão, e não apenas uma parte dela. “Vamos ter de repensar as prestações sociais que temos na Segurança Social e considerar uma prestação social para a falta de habitação”, afirma, defendendo a criação de um subsídio de renda, tal como aconteceu em França. “Existem ajudas pontuais, mas não existe algo obrigatório, e que deveria existir. A Segurança Social tem de se adaptar a cada momento às contingências dos cidadãos e a falta de habitação pode vir a ser uma contingência muito grave”.

É por isso que, defende, “tem de haver uma atuação mais firme da política pública” e que “não podemos ter um mercado de habitação totalmente desregulado como temos tido nos últimos anos”. Criticando a atual lei do arrendamento, que “está completamente cheia de mossas”, Helena Roseta questiona: “E quando acabar o estado de emergência e o mês subsequente? Como é que vai ser? Vamos ter de produzir legislação nova seguramente, porque as condições vão alterar-se muito”.

E remata, afirmando que esta pandemia vai fazer-nos olhar para a habitação como aquilo que ela é. “Um direito fundamental e um abrigo e não apenas uma mercadoria que se troca no mercado imobiliário”.