29.4.20

Desigualdades em saúde e pandemia

Mário André Macedo, in Público on-line

A profunda conexão entre pobreza e doença funciona de forma bidirecional e, por isso, qualquer estratégia de combate às desigualdades em saúde tem de ter em conta a necessidade de nivelar por cima. Na manutenção da saúde, estamos dependentes uns dos outros. Vamos trabalhar juntos para não deixar ninguém para trás.

É importante que as estratégias a ser adotadas nas próximas semanas sejam previamente avaliadas pelo seu impacto na saúde, com foco na equidade. A estratégia de mitigação da covid-19, assim como a fórmula escolhida para reabrir o país, devem eleger a equidade em saúde como paradigma de base, uma vez que, pela influência dos determinantes sociais da saúde, existem indivíduos mais propensos a serem infetados, assim como a constituir-se como vetor de transmissão ou com potencial de desenvolver doença grave.

Os determinantes sociais da saúde são os principais responsáveis pelas desigualdades no estado de saúde das populações e estão relacionados com a justiça social e com o exercício dos direitos humanos.

O nexo de casualidade entre as condições socioeconómicas e a saúde é explicado através da relação entre a pessoa e o ambiente onde se insere. No centro desta relação encontra-se o indivíduo com as suas características fixas, como idade, sexo e herança genética. É rodeado diretamente pelos comportamentos individuais que adota, como hábitos tabágicos ou alimentares, que, por sua vez, não são apenas o resultado de escolhas livres e individuais, mas influenciadas pela rede e ambiente social onde se insere. Subindo para outro nível, encontramos fatores estruturais, como a situação face à profissão, o acesso aos cuidados de saúde, escolaridade e rendimento, forte e decisivamente influenciados pela forma como as políticas económicas, de saúde e educação são planeadas e executadas.

Os portugueses cumpriram a necessidade de isolamento social, sendo o teletrabalho uma das estratégias utilizadas. Logo no final do mês de março, já seriam quase metade dos trabalhadores a utilizar este regime. No entanto, a utilização é bastante heterogénea quando estratificada por rendimento. Entre os trabalhadores com menor salário e com trabalho menos diferenciado, este recurso é bastante menos utilizado que os seus congéneres com profissões mais diferenciadas. São também estes trabalhadores que mais utilizam os transportes públicos, que, com as supressões efetuadas, encontram-se tão lotados como o período que antecedeu o estado de emergência.

Desta forma, um vírus democrático rapidamente produz resultados assimétricos na sociedade. Juntando às vulnerabilidades pré-existentes no estado de saúde, obtemos um segmento da população que se encontra diariamente mais exposto e também com maior predisposição a contrair a doença e a desenvolver formas mais graves.

São também os trabalhadores mais precários, com incerteza de rendimento e pouca cobertura da segurança social, que se veem perante a necessidade de descurar sintomas da doença ou a aceitar mais trabalho, mesmo que não estejam asseguradas todas as necessárias condições de higiene sanitárias.

Mesmo num país com um SNS universal e tendencialmente gratuito, um individuo doente, especialmente se já provém de uma situação socialmente fragilizada, pode sofrer quebras de rendimentos de longo prazo resultantes da sua doença. Este conhecimento será fundamental para planear corretamente os próximos passos para a reabertura do país.

A profunda conexão entre pobreza e doença funciona de forma bidirecional e, por isso, qualquer estratégia de combate às desigualdades em saúde tem de ter em conta a necessidade de nivelar por cima. Na manutenção da saúde, estamos dependentes uns dos outros. Vamos trabalhar juntos para não deixar ninguém para trás.