Sérgio Aníbal, Público on-line
Num cenário inédito de quebra da procura em todo o mundo, os efeitos nas balanças comerciais dos países dependem da sua estrutura produtiva. No caso de Portugal, aquilo que acontece em sectores com o turismo e têxteis é decisivo.
Num cenário inédito de quebra da procura em todo o mundo, os efeitos nas balanças comerciais dos países dependem da sua estrutura produtiva. No caso de Portugal, aquilo que acontece em sectores com o turismo e têxteis é decisivo.
Depois de, em 2019, Portugal ter conseguido à tangente alargar para sete o número de anos consecutivos com excedente na balança comercial de bens e serviços, em 2020, na sequência do efeito da pandemia do novo coronavírus, isso já não deverá ser possível. Num cenário de forte contracção da economia, as vendas de bens e serviços para o estrangeiro deverão cair mais do que aquilo que é importado, fazendo o saldo comercial português regressar para terreno negativo, algo que já não acontece desde 2012, o primeiro ano completo da ajuda internacional e da intervenção da troika.
Os efeitos negativos da crise actual no saldo da balança comercial portuguesa de bens e serviços são antecipados num estudo realizado por quatro economistas portugueses – João Pedro Ferreira, da Universidade da Florida e Pedro N. Ramos, Luís Cruz e Eduardo Barata, investigadores no CeBER e na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra – em que se procura antecipar a forma como as economias de vários países do mundo, com as suas diferentes estruturas sectoriais, vão sentir o impacto da queda generalizada da procura que actualmente se regista.
É um cenário inédito nas últimas décadas, este a que estamos a assistir devido à pandemia do novo coronavírus, em que todas as economias mundiais – sejam elas avançadas ou emergentes, sejam grandes consumidoras ou exportadoras – estão a registar uma quebra abrupta da procura, devido às medidas de confinamento impostas para controlar o contágio. E, por isso, uma contracção acentuada das trocas comerciais de bens e serviços não essenciais torna-se inevitável.
Assumindo um cenário de quebra anual de 50% na procura de bens não essenciais, os autores do estudo “Os modelos input-output, a estrutura sectorial das economias e o impacto da crise da covid-19” calculam o que pode acontecer às exportações, importações e Valor Acrescentado Bruto (VAB) – “que no actual contexto é o melhor indicador do PIB” em várias economias do mundo.
Assumem que “o objectivo não é adivinhar o futuro, mas somente descortinar tendências”. Porém, essas tendências são evidentes: no cenário traçado, o comércio mundial no seu conjunto contrair-se-á 33,1%.
Se a nível global as importações e as exportações caem na mesma medida, cada país sofre impactos diferentes, de acordo com a sua estrutura produtiva. “Nalguns países, as exportações cairão mais que as importações, deteriorando assim a balança comercial; noutros, ao contrário, a balança comercial poderá até melhorar, porque as importações descerão mais que as exportações”, escreve-se no estudo.
Portugal é, de acordo com as simulações feitas, um dos mais penalizados nas suas exportações. Entre os 44 países analisados, é o 12º com uma redução esperada das suas exportações mais significativa, de 35,1%. Os países mais afectados são o Japão e China com diminuições superiores a 40%.
No que diz respeito ao saldo comercial, estima-se que as exportações portuguesas caiam mais que as importações, e Portugal é o 17º país com uma variação mais negativa, antecipando-se uma deterioração de 2,2%, o suficiente para o país passar de um excedente para um défice. Neste caso, o país em que o saldo da balança comercial mais cai é o Luxemburgo. No sentido contrário, a Austrália, pelo facto de as suas importações caírem mais que as exportações, vê a o saldo melhorar em 3%.
Em Portugal, o impacto negativo no saldo da balança comercial é explicado em larga medida por aquilo que pode vir a acontecer em sectores como o turismo ou os têxteis. Quando se olha somente para as exportações, o sector do turismo é aquele que mais pode vir a contribuir negativamente, com um peso de cerca de 16% no total das perdas. A seguir vem o sector do comércio por grosso, os têxteis e vestuário e o sector automóvel.
Depois, quando se olha para as exportações líquidas (exportações menos importações) registam-se mudanças importantes neste ranking. Por exemplo, o sector automóvel, pelo facto de Portugal importar mais automóveis do que aqueles que vende, passa a ter uma evolução prevista positiva. Turismo, comércio por grosso e têxteis, acompanhados pelos transportes aéreos, assumem os lugares de destaque pela negativa.
Se no que diz respeito às exportações e ao saldo comercial Portugal é dos que mais sofrem, quando se olha para o impacto no VAB fica a meio da tabela dos países analisados, com uma perda estimada de 21,8% (a China lidera o ranking com uma perda de quase 30% e a Grécia é a que menos perde com 19%).
João Pedro Ferreira, um dos autores do estudo, explica ao PÚBLICO que esse resultado tem a ver com posição de Portugal no comércio internacional. “Não somos daqueles que em termos per capita mais consomem bens não essenciais e não somos daqueles que mais têm a sua cadeia de produção associada a bens desse tipo”, afirma. Assinala contudo que, por exemplo, não se colocou no estudo a hipótese de o turismo, com um peso maior em Portugal do que noutros países, pudesse ser mais atingido ou registasse uma recuperação mais lenta que outros sectores não essenciais.