Liliana Borges, in Público on-line
O complemento social criado para mitigar a pobreza e exclusão social chega actualmente a 211.992 beneficiários em todo o país. Com uma história marcada pelas mudanças de Governo, ora à esquerda, ora à direita, o Rendimento Social de Inserção (RSI) continua polémico. O PÚBLICO recorda algumas das principais alterações.
Quando foi criado em Junho de 1996, o actual Rendimento Social de Inserção (RSI) tinha o nome de Rendimento Mínimo Garantido (RMG) e apoiou 50 famílias de Quarteira, no Algarve. Hoje, quase um quarto de século e muitos avanços e recuos depois, este complemento protegeu (de Janeiro a Setembro) uma média de 96.429 famílias em situação de pobreza e exclusão social. Mas a proposta nem sempre é associada ao combate à severidade da pobreza por receio de fraude, o que nos últimos anos se traduziu em várias mudanças nos critérios de elegibilidade e nos montantes em causa.
1997
A proposta original começou a ser discutida em 1992 e dois anos depois foi a votos por iniciativa do PS, mas acabou por ser chumbada pelas bancadas da direita. Estávamos no Governo de Cavaco Silva e seria preciso esperar que António Guterres vencesse as eleições em 1995 para o então ministro da Solidariedade ― e actual Presidente da Assembleia da República ―, Eduardo Ferro Rodrigues, apresentar a proposta para o projecto-piloto. Em Julho de 1997, um ano depois de ter sido testado na cidade algarvia, o programa foi alargado a todo o país. Mas a decisão não foi consensual.
2003
Uma das vozes mais críticas foi a de António Bagão Félix: o então presidente da Comissão Justiça e Paz da Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal temia que a prestação abrangesse quem não precisasse verdadeiramente do apoio. Nas eleições seguintes, em 2002, a vitória de uma coligação de centro-direita liderada pelo social-democrata Durão Barroso voltou a criar condições para que uma revisão do complemento. Por isso, foi sem surpresa que quando Bagão Félix assumiu a pasta de ministro da Segurança Social e do Trabalho tenha tido como prioridade a revogação do Rendimento Mínimo Garantido. No entanto, a eficácia da medida no combate à pobreza obrigaria o executivo de Durão Barroso a substituir o até então Rendimento Mínimo Garantido pelo Rendimento Social de Inserção. A alteração pretendeu reforçar o regime sancionatório, que permita penalizar incumprimentos ou falsas declarações. As mudanças introduzidas em 2003 deixam cair também a possibilidade de acrescer um apoio especial para compensar as despesas de habitação ou alojamento e a renovação automática da prestação ao final de 12 meses.
2005
Em 2005, José Sócrates torna-se primeiro-ministro e há uma nova revisão da proposta: deixa de ser contabilizado o total dos rendimentos do agregado familiar nos 12 meses anteriores ao requisito para prestação e passa a contar a totalidade dos rendimentos do agregado familiar no mês que precede à solicitação (ou da média dos três últimos, no caso dos trabalhadores independentes) e regressa a renovação automática da prestação ao final de 12 meses.
Mas a percepção social em torno do Rendimento Social de Inserção não melhorou ao longo dos anos, especialmente durante a campanha legislativa de 2009. Paulo Portas, então líder do CDS e candidato da oposição, referia-se ao apoio social como um “incentivo à preguiça”, “arbitrário e fonte de crescentes abusos e fraudes”.
2010
A direita não venceu, mas nem por isso o RSI ficou imune à austeridade e à pressão de diminuir a despesa pública. Em 2010, o Governo socialista sublinhou o “contexto global, de crise económica e financeira internacional” para justificar que, “à semelhança da economia mundial”, a economia portuguesa estava a sofrer os impactos adversos da crise. Na alteração à lei, o Governo reconheceu a necessidade de “uma forte aposta na formação dos beneficiários”, mas defendeu a exigência de “maior rigor e eficiência”. As condições de acesso tornam-se mais apertadas e os beneficiários do Rendimento Social de Inserção passam a ter de estar disponíveis para executar “trabalho socialmente necessário” em entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos. A “recusa de emprego conveniente, de formação profissional ou de outras medidas activas de emprego” também passa a determinar a cessação da prestação.
2012
Em 2012, com o Governo de direita liderado por de Passos Coelho, o montante atribuído foi reduzido: o titular passou a receber no máximo 189,52 euros e os outros adultos que faziam parte do agregado familiar passaram a receber até 50% (em vez de 70%) e cada criança até 30% (em vez de um máximo de 50%). No ano seguinte, o valor encolheu para 179,15 euros. Foi também durante o Governo PSD/CDS que a renovação anual voltou a deixar de ser automática.
2016
Depois dos cortes feitos em 2013, o Governo de António Costa apostou numa reposição faseada do valor de referência do RSI, com a restituição de 25% do corte em 2013 e a intenção de, progressivamente, regressar aos valores de 2011.
2017
Em 2017, passa apenas a ser exigido a quem requer o RSI esteja em situação legal no país, deixando de haver diferença entre os cidadãos nacionais e os estrangeiros. É também a partir deste ano que a avaliação da renovação passa a ser feita automaticamente pela Segurança Social (dispensando os beneficiários de fazer um novo pedido). O valor da prestação volta a estar indexado ao valor da pensão social.