23.4.12

Cantinas sociais, a fome e as IPSS

por António Figueiredo, in Setúbal na Rede

A oportunidade do lançamento de um programa de emergência contra a fome não se discute, mesmo surgindo com dois anos de atraso. Designar este plano de intervenção por cantinas sociais gera a conotação mental do tempo da sopa dos pobres, pelo que não foi muito feliz. O Ministro da Segurança Social e da Solidariedade pensou num programa de intervenção imediata, mas deveria também ter pensado num modelo de apoio que beneficie todos os que vão viver o síndrome da fome.

Na sua essência, o objetivo do programa, que foi recentemente lançado, procura levar uma refeição a quem dela precisa. É, no seu objetivo de base, atacar um problema social que se andou a esconder, a ignorar, que é bem pior, a situação de fome que se começou a desenhar há três anos. Quando há um ano publiquei uma crónica sobre a pobreza e a fome, foram-me lançadas as farpas de estar a criar uma imagem catastrófica duma situação que não seria assim tão grave. É que reconhecer a situação de fome era aceitar o fracasso de medidas que foram destruindo o Estado Social.

Mas era já grave, e muitas famílias ruíram perante a falta de comida para alimentar os seus filhos. O drama de alunos com fome revelava-se nas escolas com baixo rendimento por parte destes. Numa escola defende-se mesmo que o aumento da violência entre os estudantes resulta do estado de pobreza duma maioria que não tem o que comer em casa. Atacar o problema com o programa de emergência social, pode ser um sinal positivo para travar o que está a acontecer…

O diploma de emergência social estabelece com clareza os objetivos das cantinas socias e os seus beneficiários, entregando às IPSS a gestão do programa. A grande dificuldade será ter-se a capacidade para separar o trigo do joio, limitar o acesso aos que caíram há anos no mundo do subsídio dependência, que lhes retirou a capacidade de procurarem meios de subsistência, porque trabalhar gera obrigações de que perderam o hábito. Direi que muitas das IPSS têm essa capacidade, mas nem sempre a responsabilidade dos técnicos no terreno é uma virtude. Sabemos o que se passou com o RSI, em parte responsável por todos os que preferiram o dinheiro fácil à responsabilidade da nobreza do trabalho, pelo que há que estabelecer critérios de inclusão social mas, também, de exclusão dos oportunistas.

As cantinas sociais vão combater o estado de fome em que se encontram algumas famílias, mas receio que o programa não chegue a uma classe média que caiu nas malhas da pobreza. O programa vai ficar longe de muitas famílias, fechadas numa pobreza envergonhada que atinge níveis alarmantes. Os dirigentes da rede solidária terão que traçar diretivas rigorosas para chegar a este grupo carenciado, pois é aquele que não vive de expedientes nem sabe como procurar apoios. A voz da igreja deveria ouvir-se dos púlpitos, ajudando as comunidades a entender o funcionamento duma nova realidade. Será que nos preparámos para esta missão? Direi que, na generalidade, não.

A fome e a pobreza extrema vieram para ficar. A crise vai ser longa e o desespero maior. As cantinas sociais constituem uma intervenção rápida, e depois?! Os que renovaram a esperança, se é que a vão readquirir, voltarão de novo ao fosso de onde pensaram ter saído. Ou pensa o Ministro da Solidariedade e da Segurança Social que a retoma vai recuperar o tempo perdido? Sabemos que não, o desemprego de longa duração vai engrossar e o desemprego jovem não tenderá a melhorar. Por isso defendo a construção duma rede de centros comunitários, num modelo de apoio a todos os que vão viver o desespero do desemprego, da falta de habitação, do corte do gás e da eletricidade, etc., etc…É para esta previsão, que não me importo que digam que é catastrófica, que gostaria de ouvir o Ministro apresentar um projecto.

Em Fevereiro de 2009, porque deveria haver preparação para responder ao desespero dos mais necessitados, e não esperar que a crise chegasse para que surjam as medidas que apaguem o fogo, defendi então um conjunto de ideias que ainda hoje fazem sentido.

Sendo a fome um desespero para as famílias, preconizava a criação dum espaço para o serviço de refeitório social, como já está a surgir em algumas comunidades, um espaço que permita acolher utentes em regime de almoço/jantar e higiene pessoal. Este espaço poderia ser gerido pelos centros de dia existentes, economizando recursos. Preconizei a contratualização, entre as IPSS e a Segurança Social, dum acordo de emergência social, que pudesse ser acionado progressivamente, para o fornecimento de cabazes alimentares.

Como medidas de combate à pobreza defendi o atendimento e aconselhamento, fundamental para a (re)inserção na vida ativa da comunidade mais atingida, pelo que se preconizava a criação dum espaço que fosse direcionado para o apoio às famílias em situação de endividamento excessivo, desemprego de longa duração e às emergentes da classe média, que são os novos pobres.

E face à dimensão da crise, defendi um programa de intervenção social que possa atrair crianças e jovens, procurando reduzir a sua exposição a caminhos que conduzem à marginalidade juvenil. Não vamos marginalizar estes jovens para mais tarde os chamarmos marginais!

Em resumo, gostaria que as medidas de emergência social fossem a parte dum plano de coesão social sustentável, e não só medidas avulso.