20.4.12

Estado paga cuidados de saúde fora do país a partir de Outubro de 2013

Por Alexandra Campos, in Público on-line

Falta apenas um ano e meio, mas a maior parte dos portugueses desconhece que vai passar a poder aceder a cuidados de saúde nos outros países da União Europeia (UE), em unidades públicas ou privadas, a partir de Outubro de 2013. É para antecipar os riscos e perspectivar as oportunidades que decorrem da mobilidade transfronteiriça de doentes na UE que a Entidade Reguladora da Saúde (ERS) organiza hoje, no Porto, uma conferência, depois de ter apresentado um estudo preliminar sobre esta matéria.

Aprovada em Março de 2011, a Directiva 2011/24/UE - a ser transposta pelos Estados-membros até 25 de Outubro de 2013 - assegura a mobilidade dos doentes relativamente a cuidados de saúde programados, desde cirurgias a consultas, tratamentos e exames. Na prática, isto significa que o Estado português passará a ter de pagar os cuidados prestados noutros países, no caso de não conseguir dar-lhes resposta em tempo útil. Ou seja, um português em lista de espera que ultrapasse o tempo máximo de resposta garantido em Portugal para uma cirurgia a uma catarata, por exemplo, pode ser operado em Espanha ou noutro país comunitário. Mas há condicionantes: apenas será reembolsado mais tarde (no valor da tabela do país de origem) e suportará os custos do transporte e estadia. Condições que, à partida, permitem antecipar que o novo modelo vai beneficiar sobretudo os cidadãos com maior capacidade financeira e informação.

"As pessoas não têm consciência do que pode acontecer. [A aplicação da directiva] pode representar uma enorme turbulência para o sistema de saúde português. E a turbulência tem riscos e oportunidades, que devemos antecipar. Não podemos esperar por 2013 e depois verificar que há centenas ou mesmo milhares de portugueses a procurar cuidados de saúde no exterior ou o inverso", explica o presidente da ERS, Jorge Simões, lembrando que cada Estado-membro deve fazer "o trabalho de casa, de modo a que não haja grandes surpresas".

Este novo modelo pode pôr em risco a sustentabilidade do SNS? "Esse risco existe se não houver um estudo, se não pensarmos nos pontos de fragilidade", admite Jorge Simões, que lembra, porém, que a directiva permite "escapatórias", ao prever que os países concedam autorização prévia (nos casos de internamento de mais de uma noite e tratamentos altamente especializados e onerosos).

No cenário actual, será Portugal atractivo para cidadãos de outros países? "Há várias áreas em que supostamente vamos conseguir atrair cidadãos de outros Estados-membros", acredita o presidente da ERS, que dá o exemplo da cirurgia cardíaca. Agora, o inverso - a saída de portugueses para tratamento no estrangeiro - também é previsível, "porque temos listas de espera com uma dimensão considerável", frisa.

No estudo preliminar feito em 2011 pela ERS, os cálculos feitos a partir de dados da Comissão Europeia (CE) indicavam que o aumento de circulação de doentes poderia render a Portugal 1,18 milhões de euros. De acordo com a CE, em 2008 havia cerca de 7,8 milhões de pessoas em lista de espera e, dessas, 10% estariam disponíveis para receber cuidados de saúde fora do país. Portugal, à data com 80 mil utentes em lista de espera, gastaria 320 mil euros, a que se juntariam 3,3 milhões de euros para as despesas de aplicação e monitorização da directiva e mais 1,3 milhões para a criação de pontos de contacto nacionais e actividades informativas.

Mas estes dados precisam de ser actualizados e enquadrados e é isso mesmo que vai ser feito hoje na conferência que a ERS organiza na Fundação Engenheiro António de Almeida, no Porto.

Portugal com dívidas a Espanha

Actualmente, os portugueses já podem obter cuidados de saúde no estrangeiro, mas o SNS só paga a factura quando os doentes necessitam de tratamentos especializados que não existem cá. Seja como for, há muitos portugueses que já fazem tratamentos em Espanha, usando o cartão de saúde europeu.

Aliás, um relatório do Tribunal de Contas espanhol divulgado esta semana revelava que Portugal devia a Espanha 6,5 milhões de euros no final de 2009 por assistência sanitária a cidadãos nacionais e notava que havia atrasos significativos no pagamento. O relatório destaca o "uso abusivo" que cidadãos portugueses e de outros países europeus terão feito da assistência médica em Espanha, usando o cartão de saúde europeu.

Com base em dados de 2009, compilados através de números da Segurança Social espanhola, o tribunal refere que França e Portugal registaram "uma média elevada" de acessos ao sistema sanitário espanhol, de 69 e 60,7 por cada 10 mil turistas, respectivamente.