18.4.12

Portugueses tristes, desanimados, stressados... e esquecidos?

Por Marta F. Reis, in iOnline

Psicólogos fazem o retrato da nação em tempo de crise: as soluções também estão no passado

Décia tem 36 anos e vive em Rabo de Peixe, uma das freguesias mais pobres do país. Teve um AVC, um irmão morreu com cancro, os filhos estão com problemas na escola. A psicóloga e professora da Universidade Técnica de Lisboa Helena Marujo, mentora da psicologia positiva, vai buscar o exemplo porque mostra uma “estratégia genial” para lidar com dificuldades constantes e incontornáveis, o prato do momento. Quando está em baixo, Décia pára o que está a fazer. À sua esquerda imagina uma caixa onde fecha todos os problemas. À direita, uma caixa de imaginação, com a vida de que gostaria e merece ter. Depois fecha o sonho e vira-se para a caixa do lado esquerdo: “Ganhou forças e deixa sair um problema de cada vez.”

Em vésperas do primeiro congresso da Ordem dos Psicólogos, sete psicólogos traçaram ao i o diagnóstico dos portugueses nesta crise e avançam soluções.

Como estamos? Desanimados, com pouca esperança no futuro, vulneráveis a pressões que levam a um stresse crescente nem sempre valorizado. Temos dificuldade na escolha de prioridades. Entramos em espirais viciosas de queixas, deixamo-nos dominar pelas más notícias. Somos pouco pró-activos, acusamos os políticos e não assumimos a nossa parte da culpa. E esquecemos que esta crise não é a primeira que vencemos.

“Falta esperança, algum optimismo e a confiança de uma perspectiva histórica”, aponta Helena Marujo, que tem estudado a felicidade e o bem-estar em contextos de privação. “Pessoas em lugares como Rabo de Peixe têm-nos ensinado onde ir buscar forças. Dizem-nos que não perdem o optimismo, ajudam os outros, partilham o pouco que têm, investem no sentido de humor, têm uma grande atenção à família e às relações interpessoais”, diz a investigadora, que vê a crise acordar muitas pessoas – mesmo as mais desafogadas – para o essencial. “Já tivemos fascismo, emigração profunda, uma guerra colonial, e conseguimos entrar numa democracia mais ou menos bem-sucedida e encontrar equilíbrios e políticas sociais de que nos orgulhamos.”

Para Anabela Vitorino, professora e coordenadora do gabinete de apoio psicológico da Escola Superior de Desporto de Rio Maior do Instituto Politécnico de Santarém, a instabilidade, a tristeza e o desânimo são indicadores visíveis, com impactos que é preciso saber gerir com instrumentos da psicologia. Só na sua escola, a maioria por dificuldades financeiras, 12 alunos anularam as matrículas desde o início do ano. “A grande dúvida que me apresentam é para quê este esforço na formação, de que vai valer, se terão de emigrar. Falam na quebra de expectativas, de virem a ser caixas de supermercado.”

Definir Prioridades Os resultados, que em muitos casos passam por trabalhar o amor-próprio, vão sendo conseguidos, com alguns alunos a optarem por só fazerem exames, em vez de avaliação contínua, e a contribuírem para o orçamento familiar com part-times ou trabalhos sazonais: “Enfrentar a crise passa por definir muito bem prioridades e os portugueses por regra não o fazem.”

Sara Bahia, especialista em psicologia da educação da Universidade de Lisboa, também nota o aumento do abandono académico. Mas, se por um lado diagnostica um sentimento generalizado de insatisfação com a vida, a resignação e a inactividade são constantes. “As pessoas queixam-se muito, mas não sei se já interiorizaram a crise e o que ela implica. Se o tivessem feito, seriam mais pró-activas.”

Na saúde em contexto laboral, João Paulo Pereira, psicólogo clínico e professor do Instituto Superior da Maia, fala de um cenário preocupante, pelo agravamento das pressões negativas, mas ao mesmo tempo de uma oportunidade de mudança permanente que será um trunfo para todos, empregados e empregadores: organizações mais centradas nas pessoas. “Uma estratégia de gestão virada para as pessoas é a grande arma para manter a motivação, o envolvimento e a saúde mental dos trabalhadores.”

Liderança José Afonso Oliveira, presidente da ICF Portugal Associação de Coaching (International Coach Federation), é outro apologista desta mudança de paradigma como forma de combater o pessimismo instalado. “Levar as pessoas a envolverem--se mais, a sentirem-se protagonistas da vida das empresas, não custa muito dinheiro. A liderança não se aprende só nos livros, mas na postura que se tem perante a vida e na relação com os outros.” Afonso Oliveira diz que assumir este protagonismo será crucial para vencer a crise e proteger a cabeça: “Se cairmos no choro sistemático sobre o leite derramado não construímos nada, quando muito temos pena de nós próprios e fazemos com que os outros tenham pena de nós. Isso não nos devolve nem os recursos, nem a riqueza, nem o valor que precisamos de reencontrar.” E uma chave para isso, diz o coach, seria mais civismo: “Sejamos exigentes com os políticos, mas cada um de nós tem poder. Se eu não estacionar em cima do passeio provavelmente evito que as câmaras gastem balúrdios a proteger-nos da nossa falta de civismo. A ideia de que temos nas mãos o nosso destino é uma ideia que os nossos antepassados tinham. Perdemo-la não sei porquê e é preciso recuperá-la como orientação básica da nossa vida.”

Carlos Anunciação, psicólogo clínico, acredita que o fundamental é também aprender a lidar com o stresse, parte do mecanismo básico de luta ou fuga em que muitas vezes optamos pela segunda via, evitar e negar os problemas: “Em 2020 a Organização Mundial do Trabalho estima que o stresse seja a principal causa laboral de doença. Temos de interiorizar que as estratégias de resolução dos problemas estão menos vezes associadas a depressão e ansiedade e é preciso que sejam ensinadas e treinadas.”

Francisco de Soure, psicólogo clínico da Oficina da Psicologia, assume que não tem notado a tendência mais falada: na prática do consultório não se sente o aumento dos quadros de depressão e acredita que os portugueses estão historicamente habituados a fazer frente às adversidades, até com melhores resultados do que quando o país está melhor, mesmo que para alguns o cenário de desemprego e instabilidade pareça assustador. Mesmo para esses, a perspectiva do passado poderia ser um trunfo. “Quando o nosso país, no século xv, estava numa situação difícil do ponto de vista económico, ultrapassámos o cabo das Tormentas, porque nos organizámos enquanto povo. Diria que é o equivalente ao que pensamos nos cenários de recessão que vão sendo sucessivamente apontados. A incerteza em relação ao futuro tendencialmente vai ser olhada como cenário catastrófico, mas se assim quisermos poderemos vê-lo como oportunidade de superação.”