28.5.12

“Não é real que o desemprego seja uma oportunidade”

Carla Ribeiro, in Negócios on-line

Empresa produziu o seu primeiro equipamento para uma sonda da Agência Espacial Europeia.

Como é que uma pequena e média empresa (PME) no sector das energias renováveis ganha um contrato para participar na construção de uma sonda espacial? A resposta está no percurso de José Pimentão, um dos quatro fundadores da Sinergiae, em 2004, e que hoje é sócio maioritário de um grupo de seis empresas.

A Sinergiae produziu um componente da sonda espacial Pilot. Como se deu essa ligação?
A missão Pilot faz parte de uma série de missões espaciais da Agência Espacial Europeia (ESA), na qual a Sinergiae se insere através do trabalho desenvolvido nos últimos anos. Em 2007 integrámos essa missão contratualmente devido ao historial que os fundadores deste grupo tinham com a ESA e, em especial, com o centro espacial francês que foi, no fundo, onde toda esta aventura começou.

O José Pimentão era investigador nesse centro em Paris...
Sim, era, antes de voltar para Portugal. Regressei poucos anos depois para pegar neste projecto comum e levá-lo àquilo que é hoje: uma empresa de base tecnológica na área do espacial.

Qual foi a estratégia para conseguir esse contrato?
Foi uma coisa boa que aconteceu. Ao emigrar, tinha a noção de que era apenas um passo para depois voltar ao mercado português com uma empresa portuguesa. Na altura, a Sinergiae já existia legalmente, mas estava adormecida nesse sector do espacial. Foi necessário ir para fora e, quando chegou a hora de decidir se ia ficar o resto da minha vida em Paris ou regressar a Portugal...

Ficou no centro espacial?
Tive essa oportunidade. Decidi regressar a Portugal e pegar em projectos que trouxe comigo e fazer esta evolução. Conseguir criar ‘hardware', que é um passo muito importante para uma empresa nacional, pois aquilo que os portugueses mais fazem ainda é ‘software'. Hoje não somos a única, mas a Sinergiae fabrica, produz e pensa ‘hardware' para a ESA.


Há outros contratos em vista?
O projecto Zephyr vai continuar no sentido de melhorar essa mesma peça. Este ‘hardware' tem a particularidade de se poder adequar a todas as restantes missões espaciais, não só da ESA, mas também da NASA, se for o caso. É uma peça versátil, com uma base de conhecimento que desenvolvemos, patenteamos e, se for necessário desenvolvê-la para outra missão, espacial conseguimos. E vamos com certeza desenvolvê-la. Temos também outros projectos em vista para o sector espacial.

O vosso ‘core' são as energias renováveis. Como avalia a estratégia do Governo nessa área?
Há algumas críticas a fazer. Tem-se falado muito do sector, mas julgo que se está a confundir aquilo que é o domínio evidente da EDP e da Endesa, dos grandes projectos estruturantes, como as energias renováveis, nomeadamente o sector fotovoltaico. Há que separar estas duas componentes. Numa altura em que se fala de cortes na bonificação de produtores de energia, é necessário estruturar melhor o nosso modelo para implementar algo de sustentável. Mas tem de haver um forte impulso económico para as famílias olharem para o fotovoltaico como um bom negócio...

Um dos vosso slogans é "ganhar dinheiro com o seu telhado". Teme que isso esteja a acabar?
O que move o cliente é a questão financeira. A parcela ecológica também, mas é vista como um complemento e será muito difícil, num país como o nosso, que atravessa dificuldades, olhar para esse negócio de outra forma. Quem investe neste tipo de tecnologia é por ser, de facto, economicamente vantajoso. Mas continuamos sem saber o que o Governo quer fazer: tem revisto o modelo global da política energética em Portugal, nomeadamente as famigeradas rendas, garantias de potência, a grandes produtoras de energia...

As renováveis também pesam na factura dos portugueses?
É óbvio que existe um peso, mas é uma estratégia de futuro, de longo prazo. Hoje temos grandes dificuldades em pensar no País sem uma estratégia energética a muito longo prazo. E as energias renováveis fazem, inevitavelmente, parte dessa estratégia. Teve custos iniciais, mas qualquer tecnologia tem custos de arranque. Talvez na altura não se pensasse tanto na questão da sustentabilidade, daí a necessidade de rever os custos às eólicas, que são um grande peso no custo das energias renováveis. Mas no que respeita ao fotovoltaico, não. Porque quem quiser investir hoje no fotovoltaico, numa central, ganha um valor um bastante interessante.

Aponta-se o empreendedorismo como forma de combater o desemprego. É para todos?
Não me parece real que o desemprego seja uma oportunidade. Houve da parte do primeiro-ministro uma certa infelicidade nessa frase. O empreendedor, se efectivamente o é, não precisa de ir para o desemprego. Conheço muita gente que, de um momento para o outro, se viu desempregado e acabou por aproveitar essa situação para abrir empresas. Mas, em mil, haverá um com real perfil de empreendedor. Não vale a pena empurrar as pessoas para serem empreendedoras à força.

Perfil: O engenheiro que mirava as estrelas
José Pimentão, 35 anos, estudou engenharia mecânica na Universidade de Coimbra. Fez mestrado e doutoramento em astrofísica e engenharia aeroespacial, em Paris. Viveu em Bragança até ir estudar para Coimbra. Fascinado desde a infância pelo espaço, diz que, do telhado da sua avó, olhava com fascínio para o céu transmontano. Empreendedor, gosta da gestão de empresas. Tocar violino na orquestra universitária é um dos seus ‘hobbies'.