4.4.14

Marisa Matias: "A austeridade é o caminho mais rápido para sair do euro"

Rita Brandão Guerra e Leonete Botelho, in Público on-line

Cabeça de lista do BE às europeias avisa para a necessidade de resgatar a democracia que foi raptada pelos mercados financeiros.

Marisa Matias, 38 anos, está há cinco no Parlamento Europeu (PE) e sucede a Miguel Portas como cabeça de lista do BE. Define o Tratado Orçamental (TO) como a garantia de que não haverá pós-troika nenhum em Portugal e que o projecto de transformação ideológica é para prosseguir. A alternativa é juntar forças à esquerda para resgatar a democracia.

Um referendo ao TO tem sido a grande bandeira do BE para estas europeias. O que é que aconteceria ao país se ganhasse o não?
Ganhava uma margem de manobra que não tem neste momento. O TO não é um tratado europeu porque não houve unanimidade no Conselho, mas ao ter sido aprovado na Assembleia da República, passa a estar ao nível da Constituição, por isso vincula as políticas económicas e orçamentais do país a uma lógica de austeridade que não permite políticas contra cíclicas. A democracia passa a ser irrelevante, representa a consagração na lei da política de austeridade. A desvinculação pode ser unilateral, não há nada que o impeça, ao contrário dos tratados europeus. Portanto, a questão é entre obedecer a esta lógica que tem sido dominante nas instituições europeias de impor a regra da austeridade como a única regra associada às políticas públicas ou desobedecer a essa linha.

É uma maneira mais suave de defender a saída da moeda única? O Governo coloca o TO como condição para viver no euro.
O TO e as políticas de austeridade são o caminho mais rápido para pôr Portugal fora do euro. Porque são as políticas que estão a criar divergência e que estão a promover uma maior diferenciação entre as economias excedentárias e as ditas deficitárias ou com problemas de endividamento ou défice. O TO ao agravar o problema das contas públicas, ao não promover nenhuma consolidação orçamental é o caminho mais rápido para a saída do euro. Essa é uma das maiores contradições do discurso público, não só por parte do Governo, mas também do PS. A manutenção de Portugal na zona euro depende de uma refundação da arquitectura da zona euro.

É contra o valor que está inscrito no TO ou contra qualquer limite de dívida aos países?
Os valores inscritos nos tratados nunca foram cumpridos, nem por Portugal nem por nenhum outro país. A forma como foi introduzida a moeda única criou naturalmente divergências e assimetrias. Foi por isso que se deu ao orçamento comunitário um carácter redistributivo que permitiria repor algum equilíbrio às economias europeias.

E isso está inscrito também no TO.
Este tratado assume como retórica oficial das instituições europeias de que há os países mal comportados e que portanto precisam de castigo e há os que são bem comportados e que precisam de ser premiados por isso. Desde sempre houve estas inscrições e até 2008 nunca se falou de dívida. A dívida nunca foi um problema, passou a ser um problema exclusivamente depois da crise financeira. E não é por acaso, há aqui uma agenda política. A crise começou por ser do sistema financeiro e, em 2008 falava-se mesmo da crise do capitalismo. Não demorou mais do que seis meses, até menos, para que se tivesse mudado o nome à crise. Passou a ser a crise das dívidas soberanas. Parece uma mudança de nome muito cândida mas representa uma reorientação política de fundo. Ao renomear a crise, as culpas passam a estar nas contas públicas de cada país, o que é a mesma coisa que dizer nos contribuintes. Foi uma transferência de culpa, afinal tinha a ver com o facto de as pessoas terem passado a viver acima das suas possibilidades… Foi uma mudança profunda no processo de construção europeia em que os valores da solidariedade e da cooperação foram substituídos pela lógica da competitividade. Está a criar-se um caminho que põe em causa o próprio projecto europeu. Estamos a viver a maior crise económica e social desde o pós-guerra…

Acho que isso é um acaso da História, uma consequência do que tem acontecido ou é um projecto?
É um projecto político, é uma questão de escolhas. Ao longo de todo este processo e desde que passámos a viver nesta lógica das crises das dívidas soberanas, de passar para os contribuintes e para o Estado Social a factura de pagar a crise, a verdade é que estamos a assistir a um novo projecto político e à crise a ser usada como desculpa para que se imponham reformas de transformação social que jamais seriam aceites em qualquer democracia. O que está em cima da mesa é um projecto ideológico.