A recessão criou mais 90 milhões de pobres, e 110 países em 2022 não terão saído da crise, alerta a organização em Washington
A pandemia já ceifou mais de dois milhões de doentes da covid-19. Mas há uma outra contabilidade global, de custos humanos e geoeconómicos, que o Fundo Monetário Internacional (FMI) destacou esta semana, com a publicação da atualização das suas previsões económicas. São as outras vítimas da pandemia e da crise.
Em suma, há muitas mais dezenas de milhões na pobreza extrema, houve duas áreas do mundo, a América Latina e a zona euro, onde o colapso económico foi superior a 7% e a recuperação económica vai ser profundamente desigual, com 110 países em 2022 sem terem ainda recuperado o PIB per capita que registavam antes da pandemia.
É a herança da maior recessão nos últimos 70 anos, com a riqueza mundial a diminuir 3,5%, mesmo assim abaixo das previsões mais pessimistas que o FMI tinha avançado nos relatórios de junho (-5,2%) e de outubro (-4,4%) do ano passado. Foi uma quebra mundial que mete a um canto a chamada Grande Recessão de 2009, quando o PIB mundial não chegou a recuar 0,1%.
MAIS 90 MILHÕES NA MISÉRIA
O custo humano vai, de facto, para além da contagem letal das mortes pela covid-19. Há uma inversão da tendência de diminuição da pobreza extrema. Gita Gopinath, a economista-chefe do FMI, revelou que “90 milhões de pessoas deverão entrar na pobreza extrema em 2020 e 2021, invertendo as tendências das últimas duas décadas”. Nas contas recentes do Banco Mundial, o aumento poderá ir até entre 90 e 120 milhões já em 2020.
Depois de um pico em 1993, com quase dois mil milhões de cidadãos na extrema pobreza — definida como vivendo com menos de 1,9 dólares (pouco mais de um euro e meio) por dia —, a globalização e a vaga de crescimento em países como a China e a Índia retiraram daquele indicador mais de 1200 milhões de pessoas. Em 2019 atingiu-se um mínimo de 645 milhões na pobreza extrema — mesmo assim quase duas vezes a população da zona euro. Com a pandemia, o número vai subir para um intervalo entre 735 e 769 milhões.
A pobreza agravou-se, inclusive, nas camadas da classe média e média-baixa. Em 69 países não foram atribuídos oficialmente apoios aos afetados pela crise e em muitas economias do G20 os apoios foram inferiores a 50% do rendimento anterior (como na Argentina, Austrália, China e Rússia).
OS PAÍSES MAIS PENALIZADOS
Há também um custo geoeconómico diferenciado, com a América Latina e a zona euro mais penalizadas pelo colapso económico em 2020, registando quedas do produto interno bruto (PIB) de 7,4% e 7,2%, respetivamente. Nos seis grandes países com quebras do PIB superiores a 8%, três são do euro (Espanha, Itália e França) e outro é o México.
Ao todo, 180 economias em 196 países do mundo sofreram uma quebra do PIB per capita em 2020. O problema vai ser quantos se irão livrando desse ‘clube’. O FMI alerta, por isso, para que a retoma económica vai ser desigual. Em 2021, só 30 países saem daquele grupo e estima-se que, mesmo em 2022, 110 economias ainda não terão recuperado o nível do PIB por habitante que tinham em 2019. Ou seja, em 56% dos países a perda de rendimento ainda perdura daqui a dois anos.
Segundo as previsões do FMI para os 26 maiores países cobertos por esta atualização do World Economic Outlook, só sete — incluindo os Estados Unidos e a Índia — sairão da crise já este ano. Economias como a da zona euro, globalmente, Alemanha, Brasil, Canadá, França, Japão e Rússia só completarão a retoma em finais de 2022. E cinco outras economias — África do Sul, Espanha, Itália, México e Reino Unido — só sairão da crise em 2023.