5.2.21

Energia contra a pobreza

Luisa Schmit, in Expresso

A diabólica coincidência da pandemia e da vaga de frio empurrou muita gente para a situação de ficar fechado em casa e não poder abrir janelas. À insalubridade do ambiente fechado sem renovação de ar juntou-se a necessidade de manter aquecimentos no máximo. Mais uma vez, a resultante denunciou o que há muito se conhece: o desconforto térmico das casas portuguesas é insustentável economicamente e insuportável fisicamente numa percentagem demasiado grande de habitações no nosso país. Como o Expresso bem noticiou recentemente, as estatísticas europeias (EU-SILC) mostram que mais de 30% das habitações têm problemas graves de infiltração e apodrecimento, com tudo o que isso também implica de graves impactos na saúde.

Para um país como o nosso, fortemente envelhecido, com uma agravada desigualdade social e, para mais, com um enfraquecido SNS e, pior ainda, sujeito às tremendas pressões da pandemia, o quadro da chamada pobreza energética fica exposto de forma aguda. É assim que neste país de clima ameno se morre mais de frio do que nos países do Centro e Norte da Europa.

Se a má qualidade de construção num país com tantos prémios mundiais de arquitetura é uma paradoxal realidade, a requerer medidas de emergência à requalificação, dois outros fatores agravam esta situação do parque habitacional: o custo da energia em Portugal é em média superior à média da UE, e a vasta maioria da população continua ainda a ter rendimentos inferiores aos dos seus parceiros europeus.

É preciso proceder a levantamentos sérios, pôr mediadores no terreno, e fazer tudo com eficácia e transparência

Imagine-se as contas de eletricidade que se vão acumular nestes meses de inverno. Apesar dos 10% de desconto a serem pagos pelo Governo e da tarifa social que abrange uma parte da população, não é possível resolver o problema da pobreza energética em Portugal só acudindo às emergências. Sem medidas diretas para o recondicionamento térmico das casas, o problema não parará de se recolocar sucessivamente, seja pelo frio, seja pelo calor, que ainda é mais difícil de resolver. Ora acontece que as novas políticas comunitárias e algumas medidas específicas já transpostas para Portugal por via do Programa de Recuperação e Resiliência (€300 milhões nos próximos cinco anos) criam condições favoráveis a um rápido movimento de reorganização energética das habitações: dos painéis solares à agua quente solar, passando pela renovação de caixilharias, pelas janelas duplas e pelo isolamento das paredes e coberturas.

Esta transformação do parque edificado para a eficiência energética é um objetivo explícito no Pacto Ecológico Europeu, que inclui programas específicos de transição energética justa. Disso falou explicitamente Ursula von der Leyen na abertura do Fórum de Davos na semana passada.

Este é um ponto particularmente sensível de justiça social e de responsabilidade democrática. Não é aceitável que medidas tão urgentes e necessárias possam ficar imobilizadas e escondidas por detrás dos pesados reposteiros da burocracia e dos seus mesquinhos e sofisticados procedimentos.

É que a nossa pobreza começa na falta de capacitação para chegar aos apoios e na invisibilidade dos sectores mais vulneráveis da população. É preciso proceder a levantamentos sérios, pôr mediadores no terreno, e fazer tudo com eficácia e transparência.

Uma medida urgente que não chega depressa a quem precisa é apenas um proforma cínico de administração governativa. O país é frio e húmido; mas também quente e seco. Mora em casas que não servem e que em breve estarão piores. É, além disso, pobre e vive desconfiado das burocracias, e com razão, aliás. Temos agora uma oportunidade única de corrigir alguns erros de uma assentada. A UE dá-nos meios para melhorar as casas e agasalhar quem precisa. Desperdiçá-los é indesculpável.