7.2.21

Governo diz que empresas têm de pagar despesas com net e telefone no teletrabalho

Raquel Martins, in Público on-line

Ministério do Trabalho diz que isso é o que resulta da interpretação que faz do Código do Trabalho. Já as despesas de água ou electricidade não estão abrangidas.

A dúvida já se coloca há vários meses e só agora o Ministério do Trabalho e da Segurança Social vem dizer que os empregadores devem pagar as despesas de internet e de telefone inerentes ao teletrabalho. Já as despesas com as facturas da água, electricidade e gás não estão abrangidas pela interpretação que o Governo faz da lei.

Em resposta ao Negócios, o Ministério lembra que o número 1 do artigo 168.º do Código do Trabalho prevê que, quando um trabalhador está em teletrabalho, o empregador deve “assegurar as respectivas instalação e manutenção e o pagamento das inerentes despesas”, excepto se um acordo individual ou um instrumento de regulamentação colectiva de trabalho estipular o contrário.


“As despesas inerentes mencionadas na última parte do n.º 1 do artigo 168.º do Código do Trabalho referem-se às despesas de instalação e manutenção dos instrumentos de trabalho respeitantes a tecnologias de informação e de comunicação. O pagamento das despesas de água, electricidade e gás não está abrangido naquele preceito, ao contrário do pagamento de despesas relacionadas com internet e telefone”, conclui fonte oficial do Ministério do Trabalho citada por aquele jornal económico.

A responsabilidade pelo pagamento das despesas é alvo de debate desde Março do ano passado quando o teletrabalho, que era totalmente marginal na realidade portuguesa, se generalizou (na medida em que é possível) no quadro das medidas para travar a pandemia. E o próprio Governo prometeu adaptar a lei à nova realidade.

Em Novembro, quando o teletrabalho voltou a ser obrigatório nos concelhos com maior risco de contágio, o PÚBLICO consultou vários advogados, para concluir que pode ser necessário clarificar o Código do Trabalho, lamentando os especialistas em direito laboral que continue em aberto a responsabilidade pelo pagamento das despesas.

Na altura, Gonçalo Delicado, advogado na área do direito laboral na sociedade Abreu Advogados, defendeu que nos equipamentos a disponibilizar pela empresa devem incluir-se a internet (pois pode ser entendido como um equipamento de comunicação), uma mesa de trabalho, uma cadeira, o computador, uma impressora ou os consumíveis relacionados, por exemplo.

Já quanto aos casos em que o teletrabalho implique maiores consumos de electricidade e água face ao que a pessoa gastaria na sua habitação se não estivesse em casa durante todo o dia, o advogado refere que se enquadra o que está previsto no artigo 168.º do Código do Trabalho, no qual se prevê que “na falta de estipulação no contrato, presume-se que os instrumentos de trabalho respeitantes a tecnologias de informação e de comunicação utilizados pelo trabalhador pertencem ao empregador, que deve assegurar as respectivas instalação e manutenção e o pagamento das inerentes despesas”. Para isso, diz o advogado, o trabalhador deve reclamar o pagamento dos custos acrescidos, devendo provar que esse aumento “advém” do exercício da actividade em teletrabalho.

Esse pode ser, no entanto, um factor de fricção entre trabalhador e empresa. E como os diplomas que regulamentam o estado de emergência não o esclarece, Pedro da Quitéria Faria, sócio da Antas da Cunha Ecija & Associados, considera que resta aplicar o previsto no Código do Trabalho.

No seu entendimento, o trabalhador deverá “mensalmente apresentar prova documental indiscutível dessas despesas e que as mesmas são inerentes ao teletrabalho”. De qualquer forma, alerta, há muitas questões que continuam em aberto e que podem dificultar todo o processo: “Qual o valor mensal? Qual o limite? Como se consegue apurar com certeza o valor despendido pelo trabalhador por se encontrar em teletrabalho quando estamos a falar da luz, por exemplo?”.

João Leal Amado, professor na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, consultado pelo PÚBLICO, defende que “a lei tem de ser clarificada e acentuar – foi o que aconteceu em Espanha – que quem tem de arcar com as despesas do teletrabalho é a entidade empregadora”.

Os sindicatos têm alertado para a necessidade de esclarecer esta questão, por entenderem que ela gera muitas dúvidas acabando por ser os trabalhadores a arcar com o acréscimo das despesas.