Samuel Silva, in Público on-line
Taxa apurada pelo INE foi de 8,9%, abaixo da meta europeia com que Portugal se tinha comprometido (10%). Programas dos Territórios Educativos de Intervenção Prioritária foram a principal razão.
A taxa de abandono escolar precoce atingiu, no ano passado, o valor mais baixo de sempre: 8,9%. O indicador, publicado esta quarta-feira pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), confirma uma evolução positiva desde há quase três décadas, e que se tornou mais evidente nos últimos dez anos. Pela primeira vez, Portugal está abaixo da média europeia. O programa de apoios às escolas de territórios mais desfavorecidos foi determinante para esta evolução.
Carlinda Leite, do Centro de Investigação e Intervenção Educativa, da Universidade do Porto, não têm dúvidas de que o programa Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP) foi “a principal razão” para a descida acentuada do abandono escolar precoce. A iniciativa destina-se a escolas situadas em territórios fragilizados do ponto de vista socioeconómico e que apresentam maus resultados escolares e altos níveis de abandono, tendo vindo a corrigir esses números nos últimos anos.
O mérito do programa foi “ter sido muito bem estruturado”, avalia Carlinda Leite: “Estas escolas tiveram que se comprometer com objectivos concretos, tanto ao nível do abandono como dos restantes indicadores. E também tiveram que monitorizar a sua evolução, o que implicou um compromisso grande com os resultados”.
Esta forma de funcionamento dos TEIP “obriga as escolas a fazer um plano de melhoria, o que tem sido um estímulo muito importante”, confirma Salvador Ferreira, director do agrupamento de escolas João Araújo Correia, na Régua, que há cerca de uma década integra este programa. A escola tinha um problema de abandono escolar “grave”, que se manifestava logo a partir do 1.º ciclo do ensino básico, recorda o director. Hoje, o fenómeno está prestes a tornar-se “residual”.
Entre as medidas que podem ser aplicadas nas escolas de intervenção prioritária, Salvador Ferreira destaca o aumento de créditos horários. Por cada turma numa escola TEIP há um acréscimo de três horas lectivas, que permite receber mais professores. Estes docentes podem ser dirigidos para prestar apoio aos alunos em situação de riscos ou a turmas em situação mais vulnerável.
Lançado nos anos 1990
O programa TEIP foi lançado em meados dos anos 1990, no primeiro Governo de António Guterres, e retomado pela ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues, em 2006. Actualmente, engloba 137 escolas e agrupamentos.
Na nota enviada à imprensa, a propósito dos números divulgados pelo INE, o Ministério da Educação também inclui o TEIP como um dos exemplos de iniciativas “que se têm traduzido em resultados positivos no combate ao abandono”. A tutela elenca ainda o Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar, o Apoio Tutorial Específico, a aposta no Ensino Profissional e na Educação Inclusiva e a Autonomia e Flexibilidade Curricular.
Não foram só as escolas TEIP a atacar o problema do abandono nos últimos anos. Por exemplo, o agrupamento de escolas de Alcanena, que em 2017 tinha uma taxa de abandono dos cursos profissionais, ao nível do ensino secundário, de 24%, baixou para 7%. A escola implementou um mecanismo de detecção precoce de casos de risco, que tem em conta dados sobre assiduidade, comportamento e resultados escolares, conta a directora Ana Cláudia Cohen.
“Também houve um grande trabalho de envolvimento da comunidade”, prossegue. Por exemplo, foi preciso sensibilizar o tecido empresarial para deixasse de aceitar alunos que não tivessem concluído a escolaridade obrigatória. Um dos principais problemas encontrados em Alcanena era o apelo do mercado de trabalho, que levava muitos alunos a procurar emprego antes de concluir a escolaridade obrigatória.
O abandono escolar precoce é um indicador estatístico do Eurostat, que é usado por todos os países europeus para medir a percentagem de jovens entre os 18 anos e os 24 anos, que chegam ao mercado de trabalho sem o ensino secundário completo e que não estão a frequentar um programa de formação.
Portugal tem vindo a registar uma evolução favorável neste indicador. Quando, em 1992, começou a ser calculado, o país tinha uma taxa de abandono de 50%. Até 2004, os números nunca baixaram dos 40%. Desde então, a melhoria tem sido evidente, tendo essa percentagem baixado, na última década, praticamente 20 pontos.
O resultado apurado pelo INE no relatório do emprego relativo ao quarto trimestre do ano passado significa que Portugal ultrapassou a meta europeia com que se tinha comprometido, que era baixar este indicador para 10%. Este indicador tem sofrido uma estagnação a nível europeu e Portugal terá pela primeira vez um valor de abandono escolar precoce mais baixo do que a média da União Europeia – que é de 10,2%.
“Os resultados mostram uma evolução constante, firme e extraordinariamente notável do país”, valoriza o Ministério da Educação. A tutela considera estes resultados “ainda mais marcantes”, tendo em conta que coincidiram com um período de “aumento muito considerável do emprego jovem nos últimos anos”.
Único indicador que país cumpre
Portugal cumpre assim a meta do programa Europa 2020, ficando abaixo dos 10% de abandono. O abandono é, de resto, o único dos indicadores europeus de emprego e qualificação que Portugal cumpriu no ano passado, segundo o INE. A taxa de emprego dos 20 aos 64 anos foi de 74,7%, abaixo da meta de 75%. Já a taxa de escolaridade do ensino superior ficou nos 39,6%, a 0,4 pontos percentuais do compromisso europeu.
Os números divulgados esta quarta-feira pelo INE mostram também que o fenómeno do abandono escolar precoce atinge mais fortemente os rapazes. Entre as raparigas, a taxa é de 5,1%. O indicador mais do que duplica quando se analisam os indivíduos do sexo masculino: 12,6% dos jovens chegaram ao mercado de trabalho antes de terem concluído a escolaridade obrigatória.
Carlinda Pereira entende que há vários factores que tornam mais comum a entrada precoce dos rapazes no mercado de trabalho, mas salienta um aspecto que considera “essencial”: o corpo docente é eminentemente feminino. Muitos dos jovens em risco de abandono são de famílias pouco escolarizadas ou que atribuem menor importância social à escola, faltando-lhes um “modelo”, que os estimule a continuar a estudar. As raparigas acabam por ter mais facilidade em “encontrar esse modelo na professora”, mais do que os rapazes.