2.4.12

CRISE – Um Colapso Social

Por João Carlos Soares, in Rostos on-line

Sem se aplicarem as medidas estruturais necessárias, iremos ser confrontados sem apelo por um agravamento da fome no nosso país, e as primeiras vítimas dessa praga social serão sem sombra de dúvida as classes socialmente mais desprotegidas, e que por efeito de contágio, mais tarde ou mais cedo, acabará por atingir toda a classe média.

O processo de globalização recorrente da entrada de Portugal na Comunidade Europeia, tem provocado o desgaste sistemático das estruturas de coesão interna na nossa sociedade e, simultaneamente, a progressão de risco e marginalização de exclusão de sectores mais desfavorecidos da população.

Com o aumento das desigualdades, constata-se com elevado ênfase a discriminação de certas camadas sociais e, subsequentemente, a destruição das solidariedades sociais.

Torna-se notório este efeito, resultante do processo de diferenciação, através da segmentação e individualização produzida na vida social das comunidades, centralizado posteriormente nas questões relacionadas e resultante do agravamento do risco social e, por vezes, da pouca visibilidade que se pretende dar deste risco.

Não sendo uma realidade exclusiva do nosso país, temos que ter alguma preocupação e especial atenção, pois ela assume contornos muito particulares face à deficiente posição e enquadramento económico do país, no contexto da economia europeia.

Se por um lado assistimos à descolagem dos segmentos mais débeis da sociedade, aqueles que se encontram nas faixas mais desfavorecidas, onde os problemas e necessidades mais se fazem sentir, em contraponto com a promoção e enriquecimento dos mais fortes, por outro lado, assistimos à individualização da vida social, através da autonomia dos indivíduos relativamente às estruturas colectivas de autoridade baseadas na tradição ou no poder do Estado.

Contudo, este efeito não é tão linear como parece, tal como o não é a globalização, pois ele é o resultado de um conjunto de processos, económico e politicamente influenciáveis.

Nesta ordem de ideias, a fragmentação e individualização manifestam-se nas alterações sentidas no dia-a-dia das instituições em que assenta a nossa sociedade, como resultado da conjugação desses diferentes processos.

Essa diferenciação social é muito mais complexa do que à primeira vista pode parecer, pois a mesma na se esgota nem pode ser justificada unicamente pelo processo de globalização económica, pois a mesma é resultado de uma enorme falta de recursos para aproveitar essas oportunidades e deficiente capacidade de integração face à expansão do mercado global.

A forma desigual como se repartem os recursos materiais, tecnológicos e organizativos nos diferentes grupos sociais, reflecte-se mais tarde no défice dos sectores produtivos da sociedade e na ineficácia do sistema perante o aproveitamento das disponibilidades no desenvolvimento dos mecanismos de produção, através da extensão dos mercados.
A diferente capacidade dos indivíduos e grupos aproveitarem as oportunidades, vai reflectir-se, ou não, no efeito da igualização pretendida para a introdução dos processos de industrialização e racionalização de meios do país.

A necessidade e procura de competitividade face à globalização, bem como a conquista de novos mercados, aumentam a procura de mão-de-obra barata, por vezes recorrendo à subcontratação ou contratação precária, explorando mercados de trabalho mais favoráveis, através da deslocalização dos meios de produção, o que acarreta nos países onde estão implantados efeitos terríveis ao nível do emprego e sustentabilidade da estrutura familiar das classes mais desfavorecidas.

Considerando-se, em geral, que se está perante um agravamento do emprego precário e flexibilização de segurança no trabalho, assistimos à instituição de um novo sistema de emprego, baseado num novo modelo global de produção e defendido por um novo código de trabalho, do qual resulta um agravamento e risco social e de exclusão para um número considerável de trabalhadores, na base da atribuição de salários baixos e contratos flexíveis.

Na presença de tão grandes dificuldades no mercado de emprego, numa sociedade que se pretende de coesão social, assistimos cada vez mais às tentativa de individualização dos cidadãos no mercado de trabalho, num processo de isolamento do indivíduo, onde o que move cada vez mais as pessoas é ter uma vida própria, ter dinheiro, trabalho ou poder como objectivos prioritários na sua realização pessoal, esquecendo-se os valores e princípios éticos que devem nortear os cidadãos numa sociedade igualitária.

Uma das consequências deste tipo de comportamento em sociedade, é o desgaste e a precoce desintegração dos valores de cidadania, provocando o enfraquecimento do conceito público, onde as preocupações se centralizam em si próprios, rejeitando o conceito de comunidade, contribuindo para o Estado se descartar das suas obrigações sociais para com as famílias, os grupos e as comunidades.

Desta forma as responsabilidades e compromissos mútuos entre os indivíduos, tendem a desaparecer, ao mesmo tempo que a cidadania, enquanto direitos e obrigações face ao Estado, se vai cada vez mais individualizando.

Com o evoluir da crise no nosso país, este tipo de alterações começam a reflectir-se na incapacidade de combatividade das classes mais expostas e sensíveis aos desequilíbrios do mercado de trabalho, bem como da sua capacidade de emancipação, desencadeando comportamentos individuais desgarrados, de pendor conformista e adaptados às dificuldades de sustentabilidade, onde à incerteza dos resultados alcançados acresce o mais que provável aparecimento de efeitos não esperados ou indesejados numa economia globalizada.

Face à situação de carência económica e social que se faz sentir num número significativo e preocupante de famílias, as quais recorrem a instituições de solidariedade, revelam incontestavelmente a gravidade da crise pela qual o país está a atravessar.

Este problema torna-se ainda mais preocupante, pela razão de que esta situação coloca algumas famílias pela primeira vez num estado de necessidade e pobreza, quer pela falta de emprego, ou pelos fracos recursos provenientes de trabalho com baixo salário. Estes grupos em ruptura completa com as suas obrigações e compromissos, fazem colapsar todas as estruturas de apoio social existentes e o equilíbrio familiar, quando atingem de forma catastrófica a falência alimentar do seu agregado.

Nesta situação, a prioridade deve estar orientada no sentido de proporcionar o bem-estar das comunidades, numa procura incessante no mercado de novos postos de trabalho, só possível com o empenhamento dos órgãos de decisão do país, numa aposta ao investimento e desenvolvimento de novos mercados.

Perante esta realidade nua e crua, devemos estar apreensivos com as consequências, pois a quebra na estrutura familiar pode vir a provocar o desequilíbrio e a sustentabilidade das famílias, aumentando o desalento no seu seio e facilitando a explosão da violência doméstica, contribuindo para o aumento da conflitualidade e tensões sociais que são, na grande maior parte dos casos, o resultado da desorientação das pessoas.

Tal como refere um responsável da Cáritas, o único investimento do Estado até agora, tem sido apenas no sentido de se tomarem medidas no combate ao défice público, descurando-se as alternativas para responder às insuficiências dos extractos sociais mais desfavorecidos perante o novo cenário de crise, desemprego e endividamento das famílias, pois quando se cai no ciclo da pobreza e da dependência, torna-se de sobremaneira muito mais difícil sair dele, se não impossível, sem que se faça sentir a solidariedade providencial do Estado.

Ultimamente tem-se assistido ao dirimir de opiniões sobre se o país deve ou não endividar-se mais, como única solução para encarar e debelar as insuficiências orgânicas e estruturais de que padece, na base da solvência financeira da banca para fazer frente às necessidades financeiras das empresas.

Se por um lado esta poderá ser a solução mais fácil de tomar no momento decorrente da recessão que nos atinge, não poderá o governo deixar que essa aplicação de capital seja feita de forma desregrada, sem qualquer tipo de controlo pelos órgãos de regulação competentes, porque não chega simplesmente injectar-se milhares de milhões de euros na banca, para se resolverem os problemas da miséria e da fome.

Sem se aplicarem as medidas estruturais necessárias, iremos ser confrontados sem apelo por um agravamento da fome no nosso país, e as primeiras vítimas dessa praga social serão sem sombra de dúvida as classes socialmente mais desprotegidas, e que por efeito de contágio, mais tarde ou mais cedo, acabará por atingir toda a classe média.

Para que esse cenário não venha a acontecer, temos que reagir com determinação, porque o espectro da fome já se faz sentir entre nós, coisa que não parece preocupar os nossos governantes, mais vocacionados em agradar aos novos capitalistas do Estado, oriundos dos países emergentes, Angola, Brasil e China, representados e capitaneados por altos quadros dos aparelhos partidários, os quais vão, de forma petulante, assumindo hoje lugares no governo e amanhã nos conselhos de administração das empresas que influenciam e cauterizam a economia deste país.

Para que este pesadelo de absurdos em que vivemos, não venha a asfixiar e a sufocar toda a sociedade, torna-se necessário criar um fundo de desenvolvimento com as verbas a injectar no país, as quais em conjunto com o bloqueamento das contas monumentais amealhadas por governantes e gestores públicos assumidamente corruptos, ajudarão a implementar e equilibrar a balança e a trazer mais justiça aos sacrifícios de todos nós.