Margarida Peixoto, in Económico
Remédio da ‘troika’ foi ainda mais duro do que o esperado. A recessão é mais profunda e o desemprego mais alto.
Quando há um ano Portugal assinou o acordo com a ‘troika' para evitar a bancarrota e reestruturar a economia, a promessa das três instituições internacionais, do Governo e até da oposição foi bem mais risonha do que a realidade se revelou. A recessão não devia ter sido tão profunda, o desemprego não era suposto aumentar tanto e as empresas deveriam conseguir continuar exportar a bom ritmo. Afinal, o futuro chegou mais negro.
Quando em Abril do ano passado a Comissão Europeia, o FMI e o Banco Central Europeu negociaram o programa de ajustamento para Portugal, os avisos de que o futuro seria difícil foram muitos. Mas mesmo assim, a dureza da realidade não deixou de surpreender. Os cortes nos salários da Função Pública, o imposto extraordinário que levou metade do subsídio de Natal a todos os trabalhadores, os aumentos dos impostos foram só algumas das medidas que deixaram a economia doméstica mais deprimida do que o previsto.
Há um ano, já se contava que 2012 seria de recessão, mas nenhuma previsão apontava para uma destruição de riqueza de 3,3% - uma estimativa que fica quase no dobro da inicial. O impacto no mercado de trabalho não se fez esperar. Em vez de 743 mil desempregados, como se esperava há um ano, agora o Governo já aponta para mais de 800 mil, o equivalente a 14,5% da população. E os números do Eurostat já ameaçam superar esta barreira, com uma estimativa de 15% para Fevereiro, embora em moldes não directamente comparáveis.
Como estes dois indicadores estão quase todos. Só o défice externo está objectivamente melhor do que o esperado, mas a principal razão é um país a consumir - e importar - muito menos do que o previsto.
Além de a economia estar pior do que se imaginava, também está hoje mais debilitada do que quando embarcou no programa da ‘troika'. "Há graves piorias da saúde económica e social, desde logo o desemprego", reconhece Miguel Cadilhe, ex-ministro das Finanças. "Em termos de desemprego e de nível do PIB per capita estamos sem dúvida pior. E no desemprego é bastante doloroso que assim seja", corrobora Silva Lopes, que também já foi ministro das Finanças.
Reformas em andamento
Ainda assim, nem tudo são aspectos negativos. Desde logo, tanto o Governo como as próprias instituições internacionais se têm esforçado por demonstra que Portugal é um bom aluno da ‘troika'. Afinal, as metas do défice estão a ser cumpridas - mesmo que no ano passado tenha sido à boleia da receita extraordinária dos fundos de pensões - e as principais medidas do programa de ajustamento estão a ser implementadas.
A terceira avaliação da Comissão Europeia considerou "o cumprimento [do programa] extraordinariamente bom" e a avaliação do FMI será hoje revelada. No total, Portugal vai receber mais 14,9 mil milhões de euros da ‘troika'. De qualquer modo, o Governo já aprovou os principais diplomas para rever as regras do mercado de trabalho, com mais flexibilidade, menos pagamento pelas horas extraordinárias e menores compensações no despedimento. Também já cortou os subsídios de desemprego, avança no programa de privatizações, acabou com as ‘golden shares' nas chamadas "empresas estratégicas" e começou a reduzir os institutos públicos, deixando por renovar os contratos de muitos ex-trabalhadores da Administração Pública.
No que toca à execução orçamental, ainda é cedo para saber se o episódio do "desvio colossal" do ano passado se vai repetir em 2012. Por um lado, já estão em vigor regras mais apertadas para a despesa e um controlo mais feroz dos pagamentos em atraso. Mas por outro, ainda o primeiro trimestre não tinha terminado e já o Executivo tinha entregue um Orçamento Rectificativo ao Parlamento, para acomodar os efeitos da recessão e outras despesas não previstas em Outubro, quando foi apresentado o primeiro Orçamento.
Os números da execução orçamental mostram as receitas fiscais a cair e as despesas a subir, com especial destaque para as prestações sociais. Mas o Executivo tem garantido que estes números ainda não demonstram o efeito das medidas extraordinárias. "A parte fiscal só será reflectida a partir de Maio e as restantes medidas em Junho", assegurou ainda ontem o secretário de Estado do Orçamento, Luís Morais Sarmento.
Perante os números e as promessas, os mercados - a entidade em nome da qual foi justificada a ajuda externa e que ainda hoje Portugal quer convencer - têm dado algumas tréguas. Depois dos juros nos mercados secundários atingirem picos históricos, nas últimas semanas as Obrigações do Tesouro a dois anos já estão a negociar abaixo de 2%.
Ainda assim, a possibilidade de um segundo resgate continua na ordem do dia. "É importante que a União Europeia esteja preparada para construir uma espécie de ponte para quando Portugal regresse aos mercados", disse Olli Rehn, comissário europeu para os Assuntos Económicos e Financeiros.