João Madeira, in Sol
A meio da tarde de um dia de semana, um homem de 30 anos mata o tempo a beber minis, sozinho, num café em Mesão Frio, no Douro. No concelho com mais desemprego do país, onde um quarto da população não tem trabalho, grande parte dos dias é passada ao balcão.
Foi assim que o SOL se cruzou pela primeira vez com Bruno Santos, há dois anos. Numa família de seis irmãos, quatro estavam sem emprego.
Vivia com a mulher em casa dos pais, com um filho recém-nascido. Ia emigrar para a Bélgica assim que lhe acabasse o subsídio de desemprego, mas só conseguiu fazê-lo há meses. Demorou dois anos até conseguir um trabalho que lhe permitisse 'sair da zona de conforto'.
«Foi embora em Fevereiro. Deixou a mulher e o filho cá», contam agora ao SOL, no mesmo café onde ocorreu o primeiro encontro, em 2010.
Há dois anos, o nosso jornal calculou a taxa de desemprego para cada concelho do Continente. Havia quatro vilas e cidades com mais de 20% de desemprego. Mesão Frio liderava a lista.
Repetimos agora as contas, com dados de 2012, e triplicou o número de concelhos com mais de 20% da população sem trabalho. Existem agora 12 vilas e cidades neste patamar. E revisitar as mesmas pessoas ouvidas há dois anos mostra que as dificuldades se intensificaram: o trabalho precário e a emigração são as únicas soluções para escapar ao desemprego.
«Sempre vivi com o FMI»
Mesão Frio continua a ser o concelho mais flagelado, com uma taxa de desemprego de 25,1%. Nesta região, muitos moradores viviam da agricultura e da construção, mas desde que parou uma das principais obras da região _– o Túnel do Marão – as dificuldades acentuaram-se. Tal como muitos outros, Bruno procurou a construção civil no estrangeiro.
No Douro, não foi preciso chegarem conselhos deste Governo para as pessoas começarem a emigrar. «Alguns desempregados mais novos estão a regressar à tradição de cultivar a terra, mas a maioria da população afastou-se do campo. Muitos estão a sair do país», relata ao SOL Álvaro Francisco Pereira. Este morador de Baião, um concelho vizinho de Mesão Frio e com 23,3% do desemprego, fez isso mesmo, há décadas atrás.
Foi professor de línguas e história em França, mas dificuldades no reconhecimento das suas habilitações, quando regressou a Portugal, impediram-no de trabalhar. Para efeitos fiscais, está sem rendimentos de trabalho desde 1994. «Tenho heranças de família. Mas se não fosse poupado e não vivesse atrelado à minha mulher hoje, provavelmente, seria sem-abrigo», desabafa.
Nas estatísticas, Álvaro é um inactivo desencorajado – alguém que deixou de procurar trabalho, porque considera que não vale a pena procurar, segundo a definição do Instituto Nacional de Estatística (INE). Mas, segundo ele, prefere assumir-se como um «desempregado de longa duração», a mesma definição que usou quando o SOL o encontrou em Baião há dois anos.
Aos 63 anos, continua a ocupar os dias na quinta, mas não tira qualquer rendimento dessa actividade: a madeira e a vinha dos seus terrenos dão mais despesas do que receitas, assegura.
Paga do seu bolso os medicamentos para aliviar o stress de guerra e ainda tem um filha a estudar. A pensão da mulher, professora aposentada, ainda dá para os gastos, mas terão de fazer mais contas à vida, porque vão ficar sem os subsídios de Natal e de férias – que nunca foram usados para esse fim. Há 25 anos que o casal não vai de férias. «Sempre vivemos com o FMI», ironiza.
Como sempre viveu abaixo das suas possibilidades, o casal ainda não teve de fazer mudanças substanciais no estilo de vida. Mas Álvaro teme pelo destino da região e do país. Os cafés e restaurantes estão desertos, à hora de almoço. E, na sua opinião, ainda não fecharam muitos porque há solidariedade entre comerciantes. Os talhantes aceitam que os restaurantes só paguem quando têm mais folga. E os restaurantes aceitam o mesmo dos clientes regulares. Afinal, a falta de negócio afecta todos.
«O melhor de Portugal – as pessoas que trabalham, que têm potencial – vai morrer mais cedo. Vão ter de trabalhar demais até aos 65 anos e depois estão gastas», remata.
Receber salário em champôs
No grupo de Rita Belinha e Gonçalo Sapage, dois amigos de Espinho, a entrada no mercado de trabalho, de uma forma consistente, teima em não acontecer. Ao fim de dois anos depois da primeira visita do SOL, a espiral de desemprego, estágios e contratos precários é de tal forma avassaladora que, quando contada, parece uma tragi-comédia.
Gonçalo, depois de vários anos entre o desemprego e contratos a prazo no El Corte Inglés e nos CTT, está agora, aos 30 anos, no terceiro contrato de dois meses com o Barclays, como comercial. Já a irmã foi para o desemprego depois de um estágio. A namorada também e, com o curso de Direito na Universidade Católica, está agora a concorrer para um emprego como controladora aérea.
Uma amiga, que tirou um curso de fisioterapeuta, trabalha numa padaria. Outra está desempregada e a única proposta que recebeu, nos últimos tempos, foi de uma empresa de cosméticos cujo salário seria pago em produtos capilares. «É pena que não dê para almoçar champô ou pagar a casa com pomadas para a seborreia», brinca Rita.
Depois da primeira visita do SOL, também Rita está novamente desempregada. Licenciada em Novas Tecnologias da Comunicação e a acabar agora um mestrado na mesma área, fez um estágio profissional na Academia RTP, em parceria com o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), mas ao fim dos nove meses foi informada de que não iria continuar. As contribuições que fez para a Segurança Social não chegaram para ter subsídio de desemprego. Aos 24 anos, teve de regressar a casa da mãe, depois de ter arrendado casa. Sandro, o namorado, é um professor de Educação Física. Mas não conseguiu colocação este ano em nenhuma escola.
«Quem está a começar tem de sujeitar-se ao que a empresa define em termos monetários. Está tudo de forma tão terrível que as pessoas têm de trabalhar dez anos para ter um salário digno. Pedir um empréstimo para casa é impensável», lamenta Rita.
Pela primeira vez na vida, não fez férias de Verão no Algarve. A mãe é funcionária pública e o corte salarial falou mais alto.
Ao contrário de Mesão Frio e Baião, Espinho é um concelho urbano. A relativa proximidade do Porto fazia com que muita população trabalhasse nos concelhos limítrofes, mas o extenso areal dava-lhe trunfos no turismo local.
Mas as coisas mudaram. «As pessoas têm medo de arriscar. O comércio está a fechar, mesmo na rua mais movimentada da cidade. A culpa, muitas vezes, é dos senhorios, que querem rendas altas», considera Gonçalo, que até tem esperanças de que o contrato a prazo no banco se transforme num trabalho nos quadros, no final do mês.
Infelizmente, não pelos melhores motivos. «Com as novas regras de indemnizações de despedimento torna-se mais fácil depois mandarem-me embora. E sei que isso vai acontecer, mais ou menos dia. Estão a pedir cada mais licenciados para comerciais».
Resta-lhe o voleibol. Continua a jogar, na Associação Académica de Espinho, onde ter o 12º ano não é um factor impeditivo para assegurar um lugar nos quadros.
Conheça o desemprego no seu concelho