17.5.12

O paradoxo africano do crescimento que não acaba com a fome

Por João Manuel Rocha, in Público on-line

Economias subsarianas têm crescido a ritmo só superado na Ásia, mas continente continua a ser o que tem mais dificuldades em alimentar a população: um em cada quatro habitantes sofre de malnutrição.

Qual é o lugar do planeta onde mais de 40% das crianças com menos de cinco anos sofrem de malnutrição, que lhes causa danos físicos e mentais irreparáveis? O mesmo onde não faltam solos férteis, água abundante e clima favorável à agricultura. Que é também aquele onde a economia mais cresceu nos últimos anos. Chama-se África. África subsariana.

Surpresa? Provavelmente mais pelo lado do crescimento da economia, porque os problemas de fome no continente, com episódios de seca ou más colheitas, frequentemente agravadas pela guerra, são notícia habitual.

O paradoxo da África subsariana - denunciado num relatório ontem apresentado pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) - reside no facto de um crescimento económico superior à média mundial, só superado pela Ásia, coexistir com a insegurança alimentar: mais de uma pessoa em cada quatro, 27% da população, ou 218 milhões de pessoas (dados do período 2006-2008), sofrem de malnutrição.

Entre 2004 e 2008, as economias africanas cresceram em média 6,5% ao ano, lembra o relatório. Em 2009, registou-se uma desaceleração para 2,7%, atribuída à crise mundial. Mas "a África subsariana recuperou as fortes taxas de crescimento (5,4% em 2010 e 5,2% em 2011), e deverá continuar a crescer mais de 5% em 2012".

A evolução é explicada pelo aumento dos preços de matérias-primas africanas e pelo crescimento nos serviços, construção e agricultura. Mas "as taxas impressionantes de crescimento do PIB em África não se traduziram na eliminação da fome e da malnutrição", disse Helen Clark, administradora do PNUD, na apresentação do relatório, em Nairobi. "Não teve o impacto que esperávamos", reconheceu Sebastian Levine, conselheiro do PNUD para África.

Pior do que isso. O crescimento poderá ser sol de pouca dura, como alertou Pedro Conceição, economista-chefe responsável pelo acompanhamento de África. "Se não se resolver a questão da segurança alimentar, este crescimento não será sustentado", disse.

Divulgado numa altura em que "uma nova grave crise alimentar atinge a região do Sahel na África Ocidental", e está ainda bem presente o que se passou no ano passado no Corno de África, onde milhões de pessoas sofreram o problema da fome, o estudo, confirma que em África o mundo agrícola foi, durante muito tempo, sacrificado ao desenvolvimento urbano e as agriculturas nacionais são pouco estimuladas. "Políticas equivocadas, instituições fracas e deficiências dos mercados são as causas mais profundas da insegurança alimentar na África subsariana", refere o relatório, numa tentativa para explicar o paradoxo.

Se os dados mostram que o crescimento económico "por si só não vai resolver o problema" da insegurança alimentar - como escreveu Helen Clark -, o que fazer? Aumentar a produtividade, recorrer mais, ainda que de forma controlada, a fertilizantes ou a novas sementes e investir na irrigação são recomendações do PNUD. Esse tipo de apostas exige o reforço do investimento na agricultura - só 5% a 10% dos orçamentos dos governos africanos se destinam a este sector.

O programa das Nações Unidas considera que o investimento na agricultura é essencial não apenas para combater a insegurança alimentar mas também para criar emprego. A população desta zona do globo, que era de 856 milhões de pessoas em 2010, poderá chegar em 2050 aos dois mil milhões e essa dinâmica demográfica "deve ser encarada como uma grande oportunidade", considera Pedro Conceição.

Gana e Malawi apontados como exemplos

O Gana reduziu a fome a metade desde 2000, em parte devido ao aumento das áreas de produção de cacau, e tornou-se no primeiro país subsariano a atingir uma meta dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio fixados pelas Nações Unidas. No Malawi, um vasto programa de apoio a camponeses, com sementes e fertilizantes, conseguiu, em dois anos, transformar um défice alimentar em excedente.

Casos como os desses dois países são referidos no relatório do PNUD como exemplos de luta contra a insegurança alimentar, que permitem crescimento da produção agrícola e, mais do que isso, "resgatar pessoas da pobreza pela criação de emprego e pela geração de rendimentos".Não sendo situações únicas - na Etiópia, Uganda ou Burkina Faso há experiências bem sucedidas -, os dois exemplos apontam uma via de desenvolvimento que parece natural, num continente onde dois terços dos trabalhadores tiram o seu sustento da terra.