Luís Reis Ribeiro, in DN
"A nossa mensagem para os governos é: gastem tanto quanto puderem, mas guardem os recibos", avisou Kristalina Georgieva esta quarta-feira.
Está a formar-se uma tempestade que pode arrasar, novamente, com a dívida portuguesa (e não só) e com as taxas de juro soberanas, assinala o Fundo Monetário Internacional (FMI) na nova edição do Monitor Orçamental, estudo que é tutelado pelo ex-ministro das Finanças português Vítor Gaspar.
O trabalho ontem apresentado ao mundo a partir de Washington mostra claramente que todos os países do chamado mundo desenvolvido (cerca de 35, segundo o FMI) vão sair desta "coronacrise" muito endividados, com défices públicos muito mais elevados e com dificuldades em crescer por causa do desemprego elevado e da suspensão, ou cancelamento, dos investimentos neste ano, na melhor das hipóteses.
Mas há países que correm muito mais perigos em termos de crédito público do que outros. Segundo mostra o FMI, Portugal está claramente na linha de fogo quando, e se vier, a tempestade perfeita nos mercados de dívida soberana.
De acordo com a informação do FMI analisada pelo DN/Dinheiro Vivo, Portugal passa de uma situação de saneamento gradual das finanças públicas para um caso crítico em termos mundiais: o país terá neste ano o sexto maior aumento no rácio da dívida pública no tal grupo das 35 economias avançadas, um agravamento nesse fardo na ordem dos 17 pontos percentuais (p.p.) do produto interno bruto (PIB). Mais só nos Estados Unidos (22,1 p.p.), Grécia (21,6), Canadá (20,9), Itália (20,8) e Espanha (18).
Com esta subida, Portugal mantêm-se, como até aqui, um líder mundial em endividamento público, só que agora a maré está muito mais alta para todos.
O risco que é precisar de ir ao mercado
De acordo com estas projeções do FMI, que contam com um défice público de 7,1% neste ano, e uma recessão de 8% (ambos podem ser superiores, alertaram já vários decisores), o rácio da dívida portuguesa sobe para 135% do PIB, o quarto mais elevado no grupo dos países avançados. Mais alto só no Japão (251,9%), na Grécia (200,8%) e em Itália (155,5%).
O FMI mostra também como vários soberanos estão particularmente vulneráveis já em 2020 porque precisam, mais do que outros, de ir aos mercados emitir dívida nova para financiar a dívida que vence mais o défice público.
Em três dezenas de economias, Portugal ocupa agora a oitava posição, quando se medem as necessidades brutas de financiamento em 2020. A República necessita do equivalente a 18,6% do PIB em dinheiro novo que terá de vir dos mercados.
Juros altos
Esta alta exposição torna-se perigosa na medida em que o FMI projeta uma pressão muito elevada em termos de taxas de juro, expurgando o efeito de crescimento da economia.
No período de 2020 e 2021, esse diferencial entre taxa de juro projetada e crescimento (no fundo, é um indicador do custo de refinanciamento quando se vai ao mercado emitir obrigações) é de 3,6% no caso português, o sexto maior da lista dos países ditos avançados, prevê o FMI. É o segundo mais elevado da zona euro, já que Espanha e Itália lideram ex aequo, com 4,5%.
No estudo Monitor Orçamental, o FMI avisa logo que vários países correm riscos sérios por causa do problema da dívida excessiva. "Antes do primeiro surto de covid-19, no final de dezembro de 2019, as taxas de juro nominais efetivas (ou seja, os juros médios pagos sobre a dívida pública existente) estavam abaixo de 2% em mais de um terço das economias avançadas e em uma parcela menor (um décimo) no caso dos mercados emergentes e das economias em desenvolvimento."
Se por um lado se "prevê que essas taxas caiam ainda mais em países considerados seguros (por exemplo, Estados Unidos, Japão, Alemanha), existem, no entanto, casos que preocupam. "Tendo em conta os altos níveis de dívida pública - 83% do PIB global em 2019 - e as grandes necessidades brutas de financiamento bruto de vários países, o risco de um aumento nos custos de refinanciamento persiste."
"Guardem os recibos", diz o FMI aos governos
O FMI mostra num gráfico quais são: tirando Japão e Estados Unidos, os Estados na linha de fogo são Itália, Espanha, Bélgica, França e Portugal, por exemplo.
Na apresentação pública do seu relatório, Vítor Gaspar disse que "as medidas de política entretanto tomadas com impacto direto nos Orçamentos chegam aos 3,3 biliões de dólares a nível global [três biliões de euros], as injeções de liquidez chegam aos 1,8 biliões de dólares [cerca de 1,7 biliões de euros], as garantias representam 2,7 biliões de dólares [2,5 biliões de euros]".
A chefe de Vítor Gaspar, Kristalina Georgieva, que dirige o FMI, deixou um aviso à navegação. Em todo o mundo, "são oito biliões de dólares [cerca de 7,3 biliões de euros] em medidas orçamentais" para responder ao vírus". No entanto, "a nossa mensagem é: gastem tanto quanto puderem, mas guardem os recibos. Não queremos que a contabilidade e a transparência sejam negligenciadas nesta crise".