Graça Henriques, in DN
De Itália a Espanha, a pressão económica tem levado os países a tomar medidas de desconfinamento que passam, por exemplo, pela reabertura do pequeno comércio ou previsão do regresso às aulas. O alívio das restrições para combater o coronavírus traz outra imposição: o uso de máscaras generalizado.
I. Itália: levantamento "gradual e controlado"
II. Espanha: indústria e construção voltaram ao trabalho
III. França: confinados até 11 de maio
IV. Áustria: o primeiro a levantar restrições
V. Alemanha: Angela Merkel decide nesta quarta-feira
VI. Dinamarca: escolas e creches começam a abrir
VII. União Europeia: um guia para os Estados membros
A Organização Mundial da Saúde (OMS) acena com cautelas aos Estados europeus que avançam (ou estudam avançar) com o levantamento das medidas de confinamento impostas para combater a propagação do novo coronavírus - tentam assim aliviar as drásticas repercussões económicas que a pandemia de covid-19 irá provocar. Cada um está a fazê-lo ao seu ritmo, com datas diferentes, espelhando na ação política o que a realidade do vírus impôs no respetivo país. A cautela é comum a todos.
Espanha - o segundo país com mais mortes no mundo a seguir a Itália - levantou nesta semana algumas restrições, embora com moderação. É preciso ter em conta que quando se fala em alívio de confinamento no país vizinho deve ter-se em conta que as medidas aplicadas pelo governo liderado por Pedro Sánchez eram mais duras do que as impostas em Portugal - por exemplo, nesta segunda-feira a indústria e a construção civil puderam voltar ao trabalho em Espanha, por cá estiveram sempre a laborar, mesmo com o estado de emergência.
A Itália, o país do velho continente mais massacrado pela pandemia, também está no mesmo processo de aliviar as medidas, embora nesta terça-feira tenha voltado a registar mais mortes do que no dia anterior: 602 vítimas mortais em comparação com as 566 de segunda-feira. No total, morreram mais de 21 mil pessoas neste país. Passo a passo, a França caminha no mesmo sentido, com cautelas mas com planos de amenizar as restrições.
A Áustria, a Dinamarca, a Noruega e a República Checa foram os primeiros europeus a avançar com o regresso à "normalidade", depois de olharem com otimismo para a curva dos casos de contaminação por covid-19. Em Portugal, o primeiro-ministro admitiu algumas alterações, quando for renovado o estado de emergência, mas falou na necessidade de ponderação.
Saúde e política a duas vozes
Tem sido clara a dissonância nos discursos dos responsáveis sanitários e dos protagonistas políticos sobre esta matéria. Ainda nesta terça-feira a OMS fez questão de alertar que levantar demasiado as restrições poderá levar a um "ressurgimento mortal" da pandemia.
"Como o resto do mundo, a OMS quer que as restrições sejam levantadas. Ao mesmo tempo, levantar cedo de mais as restrições poderá levar a um ressurgimento mortal", disse o diretor-geral. Tedros Adhanom Ghebreyesus - mesmo reconhecendo a recuperação dos países europeus mais afetados, como Itália, Espanha, Alemanha e França - dramatizou: "o refluxo" da pandemia poderá ser "tão mortal quanto a propagação".
Começa a ser forte a pressão para não deixar cair ainda mais a economia. A nível global, muitas empresas já fecharam e muita gente está já sem emprego ou sem receber o salário. Fundo Monetário Internacional prevê que se avizinha a pior crise mundial desde a Grande Depressão. Em Portugal, o ministro das Finanças, Mário Centeno, já antecipa um impacto nas contas públicas até sete mil milhões de euros. As Perspetivas Económicas do FMI apontam para a subida do desemprego dos 6,5% com que encerrou 2019 para 13,9% e uma recessão de 8%.
Um chamamento para o regresso à normalidade que ainda assim contrasta com o número de casos de covid-19 em todo o mundo: mais de dois milhões de doentes e cerca de 125 mil vítimas mortais.
A pressão económica e social leva os governos a reagir e a tentar criar soluções para uma crise sem precedentes que se avizinha. A questão impõe-se: é necessário mais coragem por parte dos governos para levantar as restrições do que para impô-las? E se o aliviar das medidas correr mal?
"Uma abertura inteligente é o contrário de uma saída massiva."
"É preciso coragem política para governar em tempos de pandemia, ponto. Porque não existe uma varinha mágica nem soluções conhecidas que poderiam ser acionadas sem hesitação, bastando apenas coragem para as implementar. Não é assim. Pode correr mal de uma maneira ou de outra. Temos de ter a humildade de o reconhecer. É preciso planear/programar a abertura com base naquilo que já se conhece da dinâmica desta pandemia e dos seus efeitos: da assimetria com que atinge diferentes grupos sociais, das consequências potencialmente catastróficas da paralisação da economia, sobretudo para os mais pobres. E admitir que se aprende no caminho", responde Helena Carreiras, diretora do Instituto de Defesa Nacional (IDN), que fez uma reflexão sobre a matéria com o investigador principal no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Andrés Malamud.
Os dois escreveram um artigo no Público onde afirmam que serão mais eficazes os países que mais cedo operarem uma abertura inteligente e não os que marcialmente mantenham o encerramento. Ao Diário de Notícias, a diretora do IDN explica: "Uma abertura inteligente é o contrário de uma saída massiva do encerramento. Essa abertura pode ter muitas concretizações diferentes mas deve conciliar a proteção dos grupos mais frágeis e vulneráveis à doença com abertura progressiva para diferentes setores ou pessoas em modo alternado ou faseado, numa lógica de partilha coletiva de riscos e custos sociais."
Para estes especialistas, a pandemia de covid-19 resulta no fortalecimento dos poderes estatais, mas também na sua interdependência. "Este tipo de ameaça - um mal 'de rede' no sentido em que vai produzindo maiores danos à medida que se difunde - só pode ser confrontada com um aumento da cooperação funcional entre países e organizações; cooperação sobretudo técnica, científica, mas que não deixa de ter (nem pode deixar de ter) uma forte componente política."
Com uma crise sanitária que altera globalmente a vida de uma sociedade, com a imposição de regras e até declarações do estado de emergência, o papel do Estado ganha outra relevância. Helena Carreiras entende que "a pandemia tem potencial para alterar muitas coisas na nossa vida coletiva, nos nossos valores, na forma como organizamos as sociedades, como olhamos o futuro. E também, claro, na perceção do papel do Estado". E acrescenta: "É tão importante a vigilância para que o necessário reforço do seu papel não nos conduza a novos autoritarismos (um risco evidente) como para evitar a sua debilidade, que nos deixaria vulneráveis perante novas e previsíveis vagas destas ameaças de rede."
Itália é o epicentro do novo coronavírus na Europa, mas como os números têm vindo a dar algum ânimo, as autoridades já pensam num levantamento "gradual e controlado" das restrições. Chamam-lhe a Fase II - "coexistência com o vírus" - e poderá ser aplicada a partir 16 de maio. No entanto, fazem questão de frisar que as medidas, ainda longe da normalidade, só serão aplicadas se não se registarem alterações na situação.
Por agora, abriram algumas pequenas lojas - computadores, roupa de bebé, lavandarias, livrarias - enquanto as restantes atividades aguardam encerradas, pelo menos, até 4 de maio. Quem estiver a trabalhar nestes estabelecimentos está obrigado ao uso de máscara.
O plano das autoridades italianas prevê um reforço das "redes de saúde locais". O objetivo é fazer uma triagem dos infetados para os levar para tratamento e testar amostras de população para perceber quem está imune ao novo coronavírus. Só assim perceberão onde é possível o regresso à normalidade.
O governo italiano quer ainda impor o uso de máscara generalizado e ditar um "distanciamento social escrupuloso".
Quando for possível retomar a atividade económica, os primeiros a reiniciar o funcionamento normal deverão ser as cadeias de abastecimento alimentar e farmacêutico, seguidas dos estabelecimentos de reparações, se bem que com limites ao número de pessoas atendidas, segundo a Lusa. Bares, restaurantes, discotecas e recintos desportivos serão os últimos a reabrir e, quando o puderem fazer, terão de assegurar uma distância de segurança de pelo menos um metro entre clientes e funcionários.
Os transportes públicos irão circular com baixa lotação, com funcionários a controlar as entradas e as distâncias entre passageiros. E em cada dois lugares só um será ocupado.
Outra medida rigorosa aplica-se a quem regresse a Itália: terá de fazer quarentena e apresentar à entrada do meio de transporte escolhido, uma declaração sob compromisso de honra onde se indica a morada e o local de isolamento.
Espanha: indústria e construção voltaram ao trabalho
Espanha, o segundo país da Europa com mais mortes (cerca de 18 mil), está a caminhar para o alívio das medidas de contenção. Neste país, que parou todas as atividades não essenciais durante 15 dias, no início desta semana deram-se alguns passos em direção à "normalidade", com o regresso, parcelar, de atividades como a indústria e a construção civil.
"Quero ser muito claro: não estamos sequer a entrar numa segunda fase. A diminuição das restrições começará dentro de duas semanas, no mínimo, e será progressiva e cautelosa. O confinamento geral vai continuar pelo menos durante as próximas duas semanas", fez questão de afirmar o presidente do governo espanhol, Pedro Sánchez.
Polícia oferece máscara a uma passageira de um autocarro em Valência, Espanha.
Polícia oferece máscara a uma passageira de um autocarro em Valência, Espanha.© EPA/Ana Escobar
Ou seja, os espanhóis estão confinados até 26 de abril e o regresso ao trabalho não envolve toda a população. Isto porque empregados mais velhos, mulheres grávidas e doentes crónicos mantêm-se em casa. Aliás, o regresso só se destina a quem não pode fazer teletrabalho.
Congresso confirmou também que esta situação excecional causada pela pandemia de coronavírus deve ser novamente prolongada pelo menos até 10 de maio, no país que está em estado de alarme.
O governo tem planos que passam por isolar as pessoas infetadas, abrindo espaços para os que estão imunizados (informação que se pretende obter através de um estudo serológico). As máscaras também deverão ser generalizadas a toda a população.
França: confinados até 11 de maio
Os franceses vão continuar confinados por mais um mês. Mas a partir de 11 de maio, o presidente Emmanuel Macron prevê o fim "progressivo" do confinamento, com escolas (exceto o ensino superior) a reabrirem nessa data, bem como algumas empresas.
A abertura de bares, restaurantes, hotéis, cinemas e museus só deverá acontecer em meados de julho. No entanto, esta decisão será avaliada a cada duas semanas a partir de meio de maio.
As fronteiras de França continuam encerradas aos países fora do espaço Schengen e a população deverá passar a usar máscaras a partir de 11 de maio nos transportes públicos e outros locais fechados.
Todas as pessoas com sintomas e consideradas vulneráveis serão testadas ao covid-19.
Áustria: o primeiro a levantar restrições
Levantar algumas regras de contenção obrigou o governo austríaco a impor outras: nesta semana passou a ser obrigatório usar máscara nos transportes públicos e dentro das lojas, sob pena de multa. Ao mesmo tempo mantêm-se as recomendações de confinamento e distanciamento social.
Na semana passada, a Áustria anunciou a abertura, nesta terça-feira (14 de abril), dos pequenos estabelecimentos comerciais, com menos de 400 metros quadrados, com limitações para o número de clientes - só pode estar dentro da loja uma pessoa por cada 20 metros quadrados. Acrescem outras medidas, como a desinfeção rigorosa e a obrigatoriedade do uso de máscara para clientes e trabalhadores.
O chanceler austríaco, Sebastian Kurz, explicou que os comércios de maior dimensão só têm autorização para reabrir a partir de 1 de maio. Os restaurantes, hotéis ou cabeleireiros abrem portas a partir de meados desse mesmo mês.
A nível de educação, os austríacos decidiram manter as escolas fechadas até meio de maio, enquanto os alunos do ensino superior continuam a ter aulas não presenciais. Mantêm-se os exames finais dos estudantes universitários e do ensino secundário.
Alemanha: Angela Merkel decide nesta quarta-feira
A chanceler alemã, Angela Merkel, e os presidentes dos 16 estados regionais, vão analisar nesta quarta-feira as propostas da Academia Nacional das Ciências Leopoldina que aconselha um regresso à normalidade por etapas - entre as sugestões está a reabertura das escolas, "assim que possível", começando pelo ensino básico.
Já em relação às creches, a atividade deve ser retomada de forma limitada. Restaurantes e lojas poderão reabrir as portas, desde que sejam cumpridas escrupulosamente as regras de higiene e distanciamento.
O ministro alemão da Saúde já admitiu que as medidas de contenção poderão começar a ser aliviadas. Para a Academia das Ciências, deverão sempre passar pela obrigatoriedade do uso de máscara nos transportes públicos, supermercados e escritórios.
Angela Merkel decide se acata recomendações para aliviar medidas de contenção do covid-19.
Angela Merkel decide se acata recomendações para aliviar medidas de contenção do covid-19.© Michael Kappeler/AFP
A Academia preconiza igualmente o regresso, "pouco a pouco", das manifestações culturais e desportivas.
A Alemanha decretou as medidas de confinamento a 16 de março para vigorarem até 19 de abril, período que pode ser renovado. O país tem um registo de cerca de 131 mil infetados e 3300 vítimas mortais.
Dinamarca: escolas e creches começam a abrir
A partir desta quarta-feira, começam a abrir progressivamente as creches e escolas primárias dinamarquesas. Os níveis de ensino seguintes só reiniciam a 10 de maio, e no secundário já se sabe que não haverá exames.
Contudo, a primeira-ministra dinamarquesa, Mette Frederiksen, anunciou que centros comerciais, restaurantes, cafés, bares, discotecas, cabeleireiros, casas de massagens, continuam encerrados. As concentrações de mais de dez pessoas ainda são proibidas e as fronteiras continuam fechadas.
União Europeia: um guia para os Estados membros
A Comissão Europeia, por seu turno, apresenta nesta quarta-feira recomendações aos Estados membros sobre o levantamento das restrições, embora reconheça que está em causa uma competência exclusiva dos países por se tratar de uma questão muito delicada. E também depois de vários Estados membros terem reagido negativamente por receio de a comissão não aprovar as intenções de aliviar a contenção.
Eis o que diz a diretora do IDN, Helena Carreiras, sobre a posição da UE: "A concertação e a busca de soluções comuns (comummente discutidas e aplicadas) é exatamente o que queremos dizer quando falamos na cooperação necessária e do exercício de poder com os outros e não sobre os outros. Mas para além de eventuais guias, seria importante que a União Europeia se entendesse para produzir medidas mais robustas do que as que até agora anunciou."