5.5.20

Covid-19. Os animais voltaram para ao pé de nós ou estão a morrer de fome?

Cristina Peres, in Expresso

Carneiros num parque infantil, jacarés num estacionamento, leões a dormir a sesta no asfalto e veados de roda de uma rotunda. Tal é o resultado da ausência dos transportes que pararam e das pessoas que ficaram confinadas pela pandemia. Os animais avançam por onde muitas vezes já andavam e vemo-los, agora, porque temos tempo para olhá-los. Contudo, menos turismo e menos lixo são fome anunciada para muitos dos que se adaptaram

aparente “regresso” de animais selvagens ao espaço dos humanos, devido em parte à ausência dos ditos humanos, tem atraído a atenção das pessoas. Muitas já terão visto imagens ou assistido aos vídeos que circulam em sites científicos ou nas redes sociais desde que grande parte do mundo está confinado para tentar controlar a pandemia de coronavírus.

Os protagonistas são várias espécies animais “apanhadas” a explorar as cidades ou a exibir um à-vontade inédito em “casa” ou nas imediações dos seus habitats. Há muitos exemplos e não há geografia exclusiva: um rebanho de carneiros aventura-se num carrossel de um parque infantil e uma fila de cabras com chifres de grande porte em fila nas ruas desertas de Llandudno, no País de Gales. Há jacarés de grande porte apanhados a atravessar um parque de estacionamento num subúrbio da Flórida, nos Estados Unidos.

Uns leões foram apanhados a dormitar numa estrada que ladeia um parque natural na África do Sul, os ursos pardos multiplicaram por quatro a sua população e tomaram conta do Parque Nacional de Yosemite, na Califórnia, desde que este fechou portas aos turistas, e tartarugas marinhas chocam ovos nas praias sem humanos do Brasil.

Mais ursos? Mais tartarugas? Os flamingos de Bombaim reproduziram-se de tal maneira durante a paralisação que formaram uma mancha cor de rosa? Não é de admirar. Os níveis de barulho do mundo, que antes nos passavam provavelmente despercebidos, mantinham à distância uma quantidade de comunidades de bichos que “já lá estavam”. É o que afirma a bióloga Carla Frias em conversa com o Expresso a propósito deste à-vontade dos animais, naturalmente curiosos e decerto menos assustados, que pode parecer-nos despropositado.

“Não se trata de uma invasão, os animais já andavam por perto, muitas vezes nós é que não os víamos ou porque não estávamos em casa com tempo para dar por eles e olhá-los.” A ilustrar esta ideia, a bióloga dá o exemplo de um aquário no Japão onde, por estes dias, só à custa de videochamadas se consegue que as enguias da areia saiam de debaixo daquela capa protetora onde se dissimulam, uma vez que desapareceu o estímulo constante dos milhares de visitantes agora ausentes.

A interação dos animais é determinada por muitos fatores e vai muito além do nível do ruído. Em Veneza, por exemplo, se hoje se conseguem ver peixes nos canais e avistar golfinhos na laguna, isso deve-se ao assentamento dos sedimentos na água. “Os cisnes sempre lá estiveram também. Só que dantes tinham de fugir constantemente das gôndolas”, lembra Carla Frias.

A aproximação dos animais aos centros urbanos lembra-nos que os escorraçámos há muito para longe de nós e que o alargamento das áreas urbanas nunca jogou a favor deles. Mas é também verdade que as consequências da paralisação devida à covid-19 não foram só positivas para muitas das espécies que se adaptaram à proximidade dos humanos. Muitas passaram mesmo a depender de indústrias poluentes cujos “restos” tomaram como meio de sobrevivência.

Um artigo publicado este fim de semana na compilação científica “The Conversation” revela que a vida do milhafre-real, introduzido no País de Gales e Inglaterra nos anos 60, que aprendeu a viver dos despojos disponibilizados pelos humanos, não está a correr nada bem. A prova foi a descoberta de um desses milhafres, há dias, na reserva de vida selvagem Meltham, no Yorkshire Ocidental (norte de Inglaterra), com peso a menos e visivelmente incapaz de se alimentar sozinho.

À partida, a razão para tal comportamento deve-se ao facto de a ausência de tráfego ter diminuído drasticamente o número de animais atropelados nas estradas e cujos cadáveres ficavam disponíveis para repasto dos milhafres. “As condições obrigam os animais a serem oportunistas. Muitos passaram a usar os caixotes do lixo como fonte de alimentação depois de os termos obrigado a alterar a cadeia alimentar”, diz a bióloga, que trabalha na Direção-Geral de Política do Mar.

Há pouco tempo, correram imagens que ilustravam o drama dos macacos na Tailândia. Com o desaparecimento dos turistas, deixaram de ser por eles alimentados e de dispor do lixo que produziam, tendo começado a morrer de fome.

ESTRELAS EM PORTUGAL, ENXOTADOS NOUTRAS CAPITAIS EUROPEIAS
Em Portugal, a seguir ao medo provocado pelo surto de gripe das aves (H1N1), houve aves exóticas e gatos que foram libertados e acabaram por adaptar-se à vida em liberdade. “Os periquitos, os minás, que não são oriundos de cá, existem hoje em grandes bandos em Monsanto e em Oeiras e chegaram a ser um problema. Tiveram de se virar e adaptaram-se”, conta Frias.

Zuzu e Margarida tiveram honras de reportagem na televisão em 2016 e tornaram-se estrelas das redes sociais, lembra a bióloga. Este casal de falcões adotou um vaso pendurado na borda de uma varanda urbana para nidificar. Acontece com frequência, conta Frias, e é “raro que as pessoas consigam manter o equilíbrio entre enxotá-los e domesticá-los. Há quem consiga dar-lhes espaço para que continuem a ser os animais selvagens que são”.

A quantidade de javalis que se tem reproduzido na região da Arrábida “já originou a organização de batidas” e o mesmo acontece pontualmente nas florestas que separam alguns bairros da capital alemã, Berlim. As raposas em Londres tornaram-se mais visíveis, para usar um termo moderado, e isso deve-se muitas vezes “ao facto de nós ou elas terem mudado de horários”, conclui a bióloga.