Fátima Castro, in EcoOnline
Empresários e associações estão bastantes "decionados" com Orçamento para o próximo ano. Queixam-se que é um Orçamento focado no apoio social e que esquece as empresas.Aproposta de Orçamento do Estado para 2021 apresentada pelo Governo não agradou os empresários e as associações de vários setores industriais. Para o ministro das Finanças, João Leão, este é um “OE certo para Portugal e para os portugueses”, mas para os empresários é uma “deceção”.
“Orçamento que esquece as empresas”. “Iniciativa privada foi completamente esquecida”. “Este não é o Orçamento que o país precisa”. “É dececionante e fica aquém para as empresas”. A opinião é unânime e o descontentamento notório. Empresários queixam-se que é um Orçamento orientado as questões sociais, que é “vazio” a nível de apoio às empresas.
Do têxtil ao setor automóvel, a grande maioria dos empresários e associações confessa que esperavam ver neste OE2021 mais medidas de apoio para dinamizar as empresas, como menos impostos, mais incentivos, principalmente num ano atípico como este em que os gestores viram as suas empresas de portas fechadas, encomendas estagnadas e o volume de negócios a sofrer um impacto brutal.
“Este não é o Orçamento que o país precisa, está muito longe disso. Face ao elevado nível de endividamento, se não tivermos uma economia a crescer de modo forte e sustentável, voltaremos a enfrentar problemas muito sérios”, destaca o presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP), Luís Miguel Ribeiro.
É um Orçamento de Estado muito dececionante e não me parece que seja minimamente ambicioso naquilo que é o fundamental, a dinamização da atividade económica.
Rafael Campos Pereira
Vice-presidente da Associação dos Industriais Metalúrgicos e Metalomecânicos
De acordo com a proposta de Orçamento do Estado para 2021, o próximo ano poderá trazer novos apoios sociais, aumentos nos salários e pensões e mudanças nos impostos. Para os empresários, este é um Orçamento focado na componente social e que esquece que “são as empresas que criam riqueza”. “Governo preocupou-se apenas com a componente social e esqueceu-se das empresas. Este Orçamento está a esquecer que quem cria riqueza neste país são as empresas”, destaca com alguma indignação o presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP), Mário Jorge Machado.
O vice-presidente da Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP), Rafael Campos Pereira, partilha a opinião do líder do têxtil e destaca que em vez de ser um orçamento projetado no crescimento da economia, “centra-se em prestações sociais”. “É um Orçamento de Estado muito dececionante e não me parece que seja minimamente ambicioso naquilo que é o fundamental, a dinamização da atividade económica. Quem cria riqueza são as empresas privadas este OE não incentiva investimento ou a criação de medidas estruturais para o crescimento da economia”. Acrescenta ainda que “um Orçamento que não serve à economia também não serve para os portugueses a curto prazo”.
O ECO ouviu os gestores da Danone Portugal, Olicargo e Riopele e do ponto de vista dos empresários este é um Orçamento que fica “aquém” daquilo que as empresas precisam neste momento — estímulo económico. Para o diretor-geral da Olicargo, Pedro Moreira, este é um “OE pouco ambicioso”. O gestor adianta que gostava de ver nesta proposta “mais incentivos às empresas em geral, mais estímulos direcionados a empresas que exportam e que produzem e criam riqueza efetiva”.
Os gestores da Danone e da Riopele queixam-se da falta de incentivos para as grandes empresas.”O Orçamento Estado está aquém. Não tem medidas para ajudar as grandes empresas, nem ao nível do investimento nem de ajudas fiscais. Este OE2021 só tem medidas para as micro e PME, para as grandes empresas isso não acontece”, lamenta o country manager da Danone Portugal, Ludovic Reysset. “O Governo podia incentivar as grandes empresas a investir mais em Portugal”, apela.
O presidente da Riopele, uma das mais antigas têxteis portuguesas e que emprega mais de mil pessoas em Portugal, corrobora a ideia e destaca que “as grandes empresas foram esquecidas” e que os incentivos foram para as PME. “As restantes empresas ficaram marginalizadas nesta proposta. Porquê que só se fala em PME?”, questiona o presidente da Riopele, José Alexandre Oliveira. “Não houve a coragem de dar incentivos para dinamizar as empresas não classificadas como PME”, afirma o líder do têxtil.
OE está aquém. O Governo podia incentivar as grandes empresas a investir mais em Portugal. Este Orçamento de Estado não tem medidas para ajudar as grandes empresas nem ao nível do investimento nem em ajudas fiscais.
Ludovic Reysset
O vice-presidente da associação dos metalúrgicos diz que para além de não existirem medidas de apoio às grandes empresas, “existe, pelo contrário, um ataque”. Rafael Campos Pereira refere-se à proibição de despedir por parte das empresas que recebam apoios públicos, “uma medida contrária ao que seria lógico”.
Proibição de despedir inibe o crescimento e vai aumentar o desemprego
A medida que prevê que as grandes empresas com resultados líquidos positivos este ano e que recebam apoios públicos não podem despedir trabalhadores está a causar bastante descontentamento entre os empresários e as associações. Para a Associação Empresarial de Portugal esta é uma medida “inaceitável, inibidora do investimento privado e da gestão normal de recursos humanos, agravando a enorme rigidez já existente para a atividade empresarial. O presidente da associação considera que, na prática, ao penalizar o investimento, a medida poderá mesmo ter o resultado oposto ao anunciado.
O vice-presidente da AIMMAP partilha da ideia e destaca que esta “é uma medida populista, chavista, que ataca as empresas e vai ter um efeito contrário. Esta medida que é lamentável e absurda vai aumentar o desemprego. Quem propôs esta medida quer destruir o país”. Conclui que, na prática, “é uma medida para ir ao encontro de alguns partidos, nomeadamente dos partidos da extrema-esquerda.
Para o setor do vestuário, que regista perdas há sete meses e não tem esperança numa rápida retoma, esta é uma medida inibidora de crescimento. “Como é que as empresas de podem reestruturar ou readaptar a uma nova realidade se houve uma redução do consumo a nível mundial, as empresas estão com dificuldades e a lutar pela sobrevivência e o Governo ainda impõe que as empresas não se podem reestruturar como é que uma economia saudável pode vingar?”, questiona o presidente da Associação Nacional das Indústrias de Vestuário (ANIVEC), César Araújo.
“Este OE2021 está a discriminar as empresas com mais de 250 trabalhadores. Grande parte das empresas do cluster do vestuário são tratadas como grandes empresas. Uma empresa do vestuário que tem 300 trabalhadores e fatura dez milhões de euros não pode ser considera como a Galp e uma EDP. O Estado tem que diferenciar as coisas”, alerta César Araújo.
“Estamos desiludidos e esquecidos por não termos uma medida específica para o setor, é impressionante.
Rodrigo Ferreira da Silva
Presidente da Associação Nacional do Ramo Automóvel
O diretor geral da Associação Portuguesa das Indústrias de Mobiliário e Afins (APIMA), Gualter Morgado, concorda com o presidente do vestuário e considera que devia existir um método para avaliar se uma emprega tem ou não condições de despedir. “Devia existir um critério qualitativo que permita avaliar se a empresa usou benéficos e está injustificadamente a despedir pessoas. Se for justificado, isto não faz sentido. Estamos a penalizar o bom empresário em detrimento do mau empresário“, conta ao ECO, Gualter Morgado.
Para a grande maioria das empresas, este OE ajuda o desemprego, mas não cria emprego. O presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), António Saraiva, já se pronunciou, alertando que este OE apoia muito o desemprego, mas não apoio o emprego”. O diretor geral do mobiliário defende que se parte do problema é desemprego “a única forma de resolverem este problema é criar emprego”. Acrescenta ainda que gostava de ver nesta proposta de OE medidas “focadas em estímulos para as empresas e a criação de emprego”, diz.
Para o vice-presidente da AIMMAP, em vez de se estar a “privilegiar subsidiar o desemprego”, devia eram ser criadas medidas que “promovam o emprego”. “Existem muitos apoios sociais, mas não existe um esforço sério para relançar a economia. Se não estimularmos a economia a muito curto prazo nem temos capacidade sequer de manter as prestações sociais”, alerta Rafael Campos Pereira.
O que querem os empresários? Menos impostos e mais estímulo
A grande maioria das associações e empresários ouvidos pelo ECO quer mais medidas para as empresas, queixam-se que, mais uma vez, foi adiada a reforma fiscal que o país necessita com urgência. “Precisamos que o IRS baixe de forma a aumentar os rendimentos dos trabalhadores e estimular o consumo. Precisaríamos que o IRC baixasse para aumentar a competitividade das empresas e o investimento”, sugere o vice-presidente da AIMMAP, Rafael Campos Pereira.
Para o presidente da ATP, Mário Jorge Machado, o Governo ao tornar as leis do trabalho mais rígidas vai colocar uma dificuldade acrescida ao crescimento da economia. “As leis do trabalho portuguesas são das mais rígidas da OCDE”, recorda Mário Jorge Machado. O responsável sugere um “incentivo fiscal ao investimento pela parte das empresas e a simplificação da carga burocrática”. “São duas componentes muitos críticas para as empresas conseguirem crescer e criar riqueza. Portugal começa a ficar na cauda dos países que crescem”, alerta Mário Jorge Machado.
“OE devia ser mais focado na criação de emprego, manutenção dos postos de trabalho e habilitar as empresas para que tenham capacidade para competir a nível europeu”, é a sugestão do presidente da ANIVEC numa altura em que o Fundo Monetário Internacional (FMI) estimou que a taxa de desemprego em Portugal deverá atingir os 8,1% em 2020, nas suas últimas previsões económicas.
À semelhança do têxtil, a produção automóvel que caiu pelo sétimo mês consecutivo, só pede para não ser esquecida neste Orçamento de Estado. “Estamos desiludidos e esquecidos por não termos uma medida específica para o setor, é impressionante. Neste momento deveria ser estimulada a retoma de um setor que representa 20% das receitas fiscais em Portugal, 19% do PIB português e emprega cerca de 200 mil pessoas”, conta ao ECO, Rodrigo Ferreira da Silva, presidente da Associação Nacional do Ramo Automóvel (ARAN).
Face ao colapso do mercado, à falta de incentivos e à “carga fiscal elevadíssima”, a associação automóvel sugere que todas as viaturas deviam ter redução de ISV, um estímulo à procura, com 50% de apoio até o limite 2500 euros, nos carros de gama pequena e média e utilitários. A ARAN ressalva ainda que esta “é uma medida necessária para estimular consumo e a renovar o parque automóvel envelhecido (veículos ligeiros de passageiros têm em média 13 anos), muito pouco amigo do ambiente, ajudar as empresas a transformar a mercadoria em liquidez”.
Limitação do agravamento das tributações autónomas deixa muito a desejar
“As tributações autónomas deviam mesmo ser eliminadas para que o sistema fiscal fosse mais transparente. Não há ninguém que saiba no início do ano quanto vai pagar deste imposto, a tributação autónoma é a pior coisa que existe. Não faz sentido nenhum”, defende o vice-presidente dos Industriais Metalúrgicos e Metalomecânicos. As críticas da AEP vão além desta medida e abrangem de forma mais alargada o OE que, dizem, deixou a iniciativa privada “completamente esquecida”. Defendem que não há estímulo à atividade produtiva e mesmo as medidas que existem — como a eliminação do agravamento das tributações autónomas para as PME com prejuízo devido à pandemia ou o IVAucher — são vistas como “pouco expressivas e com limitações”.
“Se não estimularmos a economia a muito curto prazo nem temos capacidade sequer de manter as prestações sociais”, alerta o vice-presidente da AIMMAP, Rafael Campos Pereira. O Executivo de António Costa já veio dizer que o Governo está disponível para negociar e “introduzir melhorias” no Orçamento de Estado para 2021. Para o presidente da AEP, ainda é possível aplicar medias mais rígidas para o tecido empresarial português: “Ainda estamos a tempo de modificar políticas e com isso restabelecer a confiança dos agentes económicos, em prol da rápida recuperação e da prosperidade duradoura dos portugueses”, apela Luís Miguel Ribeiro.
Apesar de todas as dificuldades que o tecido industrial português está a enfrentar fruto desta pandemia, o diretor geral da Olicargo, lembra a resiliência da indústria. “Os empresários portugueses são resilientes e se houvesse uma alavanca por parte do Governo neste OE, acredito que as empresas iam conseguir superar o desafio”, concluí o gestor desta operadora logística que emprega 170 pessoas em Portugal.