2.2.22

“Não nos deem o peixe, deem-nos, por favor, a rede e a cana para pescar”: o apelo de Suzana e Bruno, que procuram trabalho legal

Marta Gonçalves, in Expresso

O casal de angolanos, que veio para Portugal em 2019 à procura de emprego, foi até ao Palácio de Belém pedir ajuda. No final do ano passado, deram entrada da manifestação de interesse para morar em Portugal, mas o processo ainda deve demorar, pelo menos, vários meses. Enquanto isso as dívidas acumulam-se e a eletricidade em casa deve voltar a ser cortada

– Eu não quero continuar a pedir ajuda, não quero.

No último ano, os biscates sucederam-se. Umas poucas dezenas de euros por um dia de trabalho, duas ou três centenas quando as mãos de Bruno Vaz são necessárias por uma semana. O dinheiro chega a conta gotas, é incerto e poucas vezes suficiente. “Só quero um emprego com um contrato, quero tudo legal para seguir a nossa vida”, diz. Tem 44 anos, nasceu em Angola e veio para Portugal com a mulher e os quatro filhos – mais dois, gémeos, já nasceram cá.

“Há dias cortaram-nos a luz, consegui um trabalho, pagaram-me e eu fui logo pagar a dívida. Mas dois ou três dias depois já estava a cair nova conta. Ainda não pagámos. Mais dois ou três dias e ficamos sem luz outra vez”, conta. “Já estamos a dever tudo: renda, água, luz. E eu não quero pedir mais ajuda, eu só quero trabalhar.” A mulher, Suzana, de 34 anos, interrompe-o: “As pessoas que nos ajudam têm trabalho e nós não queremos continuar a depender delas. Queremos ter trabalho para pagar as nossas coisas”.

Esta terça-feira, o casal e os seis filhos, com idades entre o um e os 12 anos, foram para a frente do Palácio de Belém, em Lisboa, na esperança de terem alguma respostas por parte da Presidência. Chegaram cedo, ainda não eram 9h, e nos arbustos do jardim penduraram cartazes de apelo direto a Marcelo Rebelo de Sousa.

A meio da manhã a família foi chamada à residência oficial do Presidente da República e foram recebidos por dois conselheiros de Marcelo. “Ouviram-nos e foram muito simpáticos, trataram-nos muito bem. Não sei se vai resolver alguma coisa”, diz ao Expresso Suzana após o encontro, que aproveitou para deixar uma carta e um pedido de ajuda para resolver a questão que há mais tempo têm pendente: a autorização de residência em Portugal.

A Presidência, que não têm “competências constitucionais” nesta matéria, encaminhou a carta para o primeiro-ministro e para a Câmara Municipal do Barreiro, cidade onde a família vive.

“Isto não é vida para um humano”, refere Bruno, que em seguida enumera vários biscates que já fez e vários episódios em que já lhe prometeram um contrato de trabalho que não se concretizou. “Dizem que fazem mas depois não fazem nada e dispensam-me ao fim de uma semana. Ainda há dias fui burlado. Fui fazer um biscate, eram 500 euros. O dinheiro era a renda e no final ninguém me pagou.” Bruno tem trabalhado sobretudo na construção, embora tenha estado empregado na área do áudio e sonorização quando vivia em Angola.

Quer Suzana quer Bruno deram entrada da manifestação de interesse de residência junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras em novembro do ano passado, quando conseguiram reunir todos os documentos exigidos para darem início ao processo. Entre outros são exigidos comprovativos de subsistência, comprovativo de que têm alojamento, contrato ou promessa de contrato de trabalho.

Uma vez este procedimento ativado através da inscrição no portal SAPA, os dois membros do casal e os filhos deixam de se encontrar em situação irregular, tendo exatamente os mesmos direitos que um cidadão português. Resta-lhes apenas esperar para serem chamados pelo SEF para uma primeira apresentação presencial. Ao que o Expresso conseguiu apurar, esta semana estavam a ser notificadas as pessoas que manifestaram interesse de residência em julho de 2020. Ou seja, falta ainda um ano e meio até chegar aos Vaz.

Até há relativamente pouco tempo, o SEF fazia esta notificações e chamadas por critérios baseados no caráter de urgência de cada situação específica. Recentemente, passou a ser adotado o critério cronológico.

Se algum dos documentos submetidos no portal por Suzana e Bruno não estiver válido ou não for o correto, um inspetor do SEF irá notificá-los para voltarem a entregar a documentação, fixando um prazo máximo.

A família chegou a Portugal em dezembro de 2019, com um visto de curta duração, que lhes permitia ficar em território nacional durante 90 dias. Ou seja, a partir de 21 de março de 2020 passaram a estar em situação irregular – algo que apenas se alterou em novembro do ano passado, com a inscrição no portal.
T1 para oito

Suzana e Bruno estão juntos há 12 anos. São os dois de Luanda, em Angola. Ele trabalhou sempre em sonorização em rádios e televisões – mais recentemente no gabinete de comunicação e imagem do anterior Governo, presidido por José Eduardo dos Santos. “Quando veio o novo Executivo fomos todos despedidos.” Trabalhou depois numa produtora mas nunca foi emprego sério e “nem lhe fizeram um contrato”, acrescenta Suzana. Ela cozinha, tinha uma banca no mercado onde montava uma pequena esplanada e servia refeições. “O negócio acabou por falir”, explica Bruno.

O desejo de uma melhor educação e saúde para os filhos, assim como de melhores empregos, levou o casal a vender todos os bens materiais que tinham e mudar-se para Lisboa. Quando chegaram, em dezembro de 2019, traziam dinheiro suficiente para aguentar uns tempos até encontrar trabalho. Só que apareceu a pandemia.

Alugaram uma primeira casa na zona do Barreiro, por 650 euros, mas era demasiado dinheiro e, a meio de 2020, acabaram por se mudar para a casa onde agora vivem. A renda é de 400 euros.

“Sem um contrato de trabalho e os documentos em dia não conseguimos arrendar uma casa. Desde já não temos dinheiro porque não conseguimos trabalhar e depois porque um contrato de arrendamento exige muitas coisas que não temos. Esta casa só a temos porque pagamos 2000 euros de caução e não temos qualquer recibo de arrendamento”, explicava Bruno no ano passado ao Expresso.

Há um ano, várias empresas e pessoas a título particular mobilizaram-se para ajudar a família: roupas, fraldas, cabazes alimentares, dinheiro. “Algumas das coisas que nos deram estão amontoadas porque a casa é tão pequena que não temos lugar para guardar e a humidade estraga tudo.”

Os oito vivem num T1. No quarto, as mantas estão presas à janela para impedir o frio de entrar. As gotas de água escorrem pelas paredes brancas cheias de verdete e bolor.

Suzana engravidou nos primeiros tempos em que o país fechou totalmente. Foram apanhados de surpresa. “Não sabíamos o que fazer, ponderamos tudo. Tínhamos medo de dar a mais um bebé estas condições de vida”, diz Bruno. Só já quase com quatro meses de gravidez é que Suzana conseguiu uma consulta. Outra surpresa: “eram gémeos”. “Nunca chorei tanto na minha vida como nesta gravidez, tive tanto medo do que ia acontecer.”

O casal insiste: “Agradecemos toda a ajuda que nos tem chegado, mas o mais urgente é conseguir tratar dos documentos e ter um trabalho com contrato”. E Bruno, que garante não compreender as voltas burocráticas, continua: “Não nos deem o peixe, deem-nos, por favor, a rede e a cana para pescar”.