Por Alexandra Campos, in Público on-line
Há 1791 centenários. A tendência é para que haja cada vez mais. Mas haverá condições para uma vida com qualidade?
Os ingleses têm assegurado o aumento de cidadãos centenários. Em Portugal, o número triplicou na última década, passando dos 589 no Censos 2001 para 1791 no ano passado. Para os portugueses, as hipóteses de viverem mais anos são boas, mas há naturais receios de uma degradação da qualidade de vida.
As projecções oficiais do instituto de estatística inglês dizem: um em cada três bebés nascidos este ano no Reino Unido pode chegar aos 100 anos. Sugestivamente intitulado Quais são as hipóteses de sobreviver até aos 100 anos, o relatório do Office for National Statistics (ONS) prevê também que mais de 95 mil pessoas que actualmente têm 65 anos têm grandes probabilidades de celebrar o seu 100.º aniversário em 2047. O número de centenários deverá, aliás, aumentar 40 vezes nos próximos 50 anos, de acordo com o documento, citado pelo The Telegraph.
Divulgadas na semana passada, as projecções baseadas nas taxas de mortalidade indicam que as mulheres têm mais hipótese de soprar 100 velas do que os homens. No caso dos cerca de 826 mil bebés que nascem este ano no Reino Unido, isso poderá acontecer a 39% das raparigas e apenas 32% dos rapazes.
O aumento dos centenários tem sido e continuará a ser exponencial: segundo o ONS, as pessoas com 100 ou mais anos passaram de seis centenas em 1961 para 13 mil em 2010, prevendo-se 456 mil em 2060.
Maior longevidade não é, todavia, sinónimo de saúde e maior qualidade de vida, avisam os especialistas. E este é o cerne da questão. Para muitos cidadãos, o futuro pode significar isolamento social, à medida que perdem amigos e familiares, e isolamento físico, se a saúde piorar e ficarem encurralados em casas não adaptadas às suas necessidades, alerta David Sinclair, director do Centro Internacional de Longevidade britânico, citado pelo The Guardian.
"A possibilidade de tantas pessoas vieverem mais tempo é obviamente uma boa notícia, mas há aqui um grande "mas". Os actuais centenários são pouco representativos, em vários sentidos. São pessoas que escaparam ao cancro, a tromboses e, assim, são mais saudáveis do que muitos mais jovens. O problema reside em vivermos mais tempo mas em piores condições de saúde e sozinhos em casas pouco adequadas. Outro problema é que somos péssimos a planear o futuro. Não vejo sinais de que estejamos a pensar em medidas para lidar com este fenómeno", acrescenta.
O aumento da longevidade até níveis há bem pouco tempo impensáveis é uma realidade que pode ser replicada, com adaptações, em países com condições sociais semelhantes às do Reino Unido. Os resultados até podem ser mais avassaladores: em Outubro de 2009, um estudo na revista médica britânica The Lancet, baseado no progresso dos índices de qualidade de vida, sugeria que mais de metade dos então recém-nascidos poderia chegar aos 100 anos.
Em Portugal, o que acontecerá? "É preciso perceber qual é o cenário" que os especialistas utilizam, diz, cautelosa, Maria Filomena Mendes, presidente da Associação Portuguesa de Demografia. Chegar a um número de centenários tão elevado "será verdade ou não em função das hipóteses e dos cenários". E é necessário reflectir nas consequências desta evolução: "Se as pessoas viverem com qualidade de vida, será óptimo. Se não, será complicado. A sociedade terá entretanto de se adaptar a outro modelo etário."
"Fazer projecções da esperança média de vida com base numa tábua de mortalidade e nas condições actuais é uma coisa. E, se se agravarem as condições ambientais, como a temperatura, a subida do nível médio das águas do mar, a degradação dos suportes de bem-estar, nomeadamente alimentar?", pergunta Jorge Malheiros, do Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa.
Malheiros destaca igualmente a questão da qualidade de vida dos centenários. "É um desafio conseguir viver com qualidade e com autonomia. Se a dependência aumentar muito, serão menos a sustentar uma massa maior. E isto é sobretudo um desafio para a forma como se concebe a sociedade", reflecte.