19.5.12

Associação que ajudava famílias não sobrevive ao vandalismo

Por Marisa Soares, in Público on-line

Primeiro, arrancaram a grade da janela e levaram alimentos, produtos de limpeza e maquinaria. Depois, voltaram uma e outra vez para roubar o que restava. Na semana passada, as instalações da Conferência da Sagrada Família no bairro do Olival do Pancas, em Odivelas, foram assaltadas quase diariamente. A instituição decidiu fechar as portas.

O bairro, na freguesia da Pontinha, é “problemático”. Quem o diz é Cristina Sousa, presidente da Conferência da Sagrada Família, instituição de solidariedade social que ali se instalou há um ano e meio, num espaço cedido, por três anos, pela Câmara de Odivelas. Todos os meses, 90 famílias levavam para casa um cabaz com comida, roupa, medicamentos, até móveis. A instituição desenvolvia também iniciativas desportivas e culturais com jovens do bairro.

Durante um ano e meio, os voluntários da associação ajudaram a alimentar 324 pessoas, incluindo crianças, muitas delas dependentes do rendimento social de inserção. Os cabazes de Maio já foram entregues mas terão sido os últimos. “É impossível continuarmos a trabalhar ali. Até as portas roubaram”, lamenta a responsável da instituição.

Os assaltos começaram na madrugada de 7 de Maio. “Tiraram a grade de uma janela e entraram, roubaram tudo quanto puderam”, conta. No dia seguinte, partiram a janela para entrar, mas os produtos que não tinham conseguido levar na primeira noite já tinham sido retirados. No fim-de-semana, roubaram o que faltava. Cristina Sousa descreve um cenário “desolador”: entre outras coisas, “tiraram janelas e portas de alumínio, partiram lavatórios para tirar as torneiras, tiraram um exaustor e a chaminé em inox, arrancaram as fechaduras das portas de madeira.”

Os suspeitos do assalto são, segundo Cristina Sousa, elementos de quatro famílias do bairro, que foram identificados pela PSP. Em declarações à Lusa, o comissário Resende da Silva, da PSP de Loures, confirmou que os assaltantes foram identificados no dia seguinte ao assalto, mas que não puderam ser detidos por não terem sido “apanhados em flagrante”. “Tivemos efectivamente uma situação de furto e o material foi recuperado. Agora, como não foi em flagrante pouco mais podemos fazer”, explicou.

O prejuízo da associação ronda os dez mil euros, e à factura soma-se a desilusão e a mágoa de Cristina Sousa. “Um deles [dos suspeitos] teve todo o apoio que pudemos dar. A mulher dele esteve grávida e fomos nós que lhe demos o enxoval do bebé", recorda.

Agora, os voluntários da associação já só entram no bairro escoltados pela polícia. “O projecto, que visava a integração dos moradores do bairro [cerca de 500] na freguesia e no concelho, não tem condições para continuar”, afirma a presidente.

Câmara de Odivelas procura novas instituições

O chefe de gabinete da presidência da Câmara de Odivelas, José Esteves, recebeu a notícia da saída da associação do bairro com “enorme lamento”, embora o desfecho seja “compreensível”. “Lamentamos muito porque o trabalho que eles faziam era muito importante e valorizado”, diz. Mas o responsável considera que a autarquia nada mais pode fazer do que “tentar encontrar outras instituições para desenvolverem trabalho naquela zona, do ponto de vista da inclusão da população”.

No bairro do Olival das Pancas vive uma franja muito carenciada da população do concelho, nota o porta-voz da presidência. Muitas famílias vivem em habitações municipais, em regime de arrendamento social, e têm “grandes constrangimentos de origem financeira e social”.

Em relação aos assaltos às instalações da instituição, José Esteves diz que a câmara está a acompanhar os esforços da PSP no terreno. Mas prefere sublinhar que “o aumento dos casos de criminalidade e vandalismo atinge todo o país” e que o problema não é exclusivo do bairro. “Há bairros no concelho de Odivelas que têm outro tipo de enquadramento social, onde têm sido roubadas as grelhas das sarjetas, em metal”, exemplifica, sublinhando que este “é um fenómeno que prolifera no país inteiro”.

A autarquia, garante José Esteves, presta apoio à população em parceria com a Junta de Freguesia da Pontinha, através de equipas que fazem visitas domiciliárias frequentes a famílias sinalizadas e da gestão do espaço público. “A nossa actuação no bairro é permanente, mas sozinhos não conseguimos chegar a todo o lado. Por isso é que é importante a intervenção das instituições de apoio social”, defende.A Câmara de Odivelas não possui outro local disponível para a Conferência da Sagrada Família se instalar no concelho. Em termos de espaço, as alternativas em cima da mesa são escassas mas Cristina Sousa não vai baixar os braços. “Tínhamos um projecto de cuidados continuados para idosos, que também é muito necessário na Pontinha, e gostávamos de o concretizar”, adianta.