por Pedro Araújo, in Diário de Notícias
O FMI diz que taxar em conjunto o casal em sede de IRS desincentiva a procura de emprego se um cônjuge estiver desempregado.
Mas taxar em separado acaba por ser pior quando estão os dois empregados. O fiscalista Tiago Caiado Guerreiro e Jaime Esteves, responsável pelo departamento fiscal da consultora PwC, não têm dúvidas quanto a esse aspeto.
Portugal é dos poucos países que aplica de forma compulsiva o conceito de unidade familiar do ponto de vista fiscal, impondo uma taxa marginal elevada. A frase está no documento "Selected Issues" do FMI, anteontem divulgado. A opinião não vincula o Fundo, mas levanta uma questão complicada.Na Europa, só o Luxemburgo e França obrigam à taxação conjunta. Espanha, Alemanha e Irlanda dão a opção aos casais. Todos os outros países europeus taxam o IRS de forma separada cada membro do casal.
Mas o que quer o FMI dizer em concreto? Com base num exemplo construído com a ajuda de um simulador da PwC, imaginemos um casal em que ele ganha 1500 euros (brutos) por mês e a mulher não ganha porque está desempregada. Tratando este caso à luz da legislação atual, o rendimento do casal é dividido pelos dois para apurar o imposto. Neste caso, o IRS anual a liquidar ascende a 2543,92 euros. Imaginemos agora que a mulher arranja um emprego de 750 euros. Então o IRS a pagar sobe para 4590,64 euros, isto é, mais 2046,72 euros. A amplitude deste aumento na fatura fiscal desincentiva a procura de trabalho, alega o FMI.
Vamos agora supor que a legislação em vigor já tributa separadamente aquele mesmo casal. Ganhando ele 1500 euros e estando ela desempregada, o IRS anual a liquidar ascende a 3975,32 euros (contra os 2543,92 euros na legislação que junta o rendimento do casal e divide por dois). Não compensa mudar a Lei, parece ser a conclusão mais óbvia.
No entanto, o raciocínio dos técnicos do FMI não se limita a este cálculo. Temos agora de supor que ela arranja o tal emprego de 750 euros mensais e que se aplica agora a taxação separada. O IRS anual a liquidar passa a 4688,99 euros (os tais 3975,32 euros de imposto do marido e, agora, mais 713,67 euros relativos à mulher). Ou seja, pelo facto de ela se empregar, o acréscimo de IRS anual liquidar foi de apenas 713,67 euros. Mas no regime da taxação em conjunto do casal, a diferença no IRS a pagar, entre a situação de um titular e dois titulares, era de 2046,72 euros. Na visão do FMI, taxar em separado incentiva mais ao trabalho.
"Numa situação estática, a melhor opção é estar casado [fiscalmente] porque dilui/atenua a progressividade. Numa situação dinâmica de um cônjuge que regressa ao mercado de trabalho, a tributação individual permite reduzir o aumento da tributação por efeito da remuneração adicional", afirma Jaime Esteves.
Mas essa situação só ocorre porque o efeito da progressividade [pagar mais quanto mais se ganha] do imposto não foi atenuada, enquanto só um dos cônjuges tinha remuneração pelo facto de o outro estar fora do mercado de trabalho. Ou seja, segundo Jaime Esteves, na situação de desemprego de um dos cônjuges, a opção sugerida pelo FMI é penalizadora. "Veja se que, por exemplo, um casal com apenas uma remuneração e um solteiro com igual remuneração teriam a mesma carga fiscal", alerta o responsável pelo departamento fiscal da PwC.
O fiscalista Tiago Caiado Guerreiro diz que não só concorda com a sugestão do FMI como também vem sugerindo há muito esse regime de tributação autónoma do casal. "Sublinho que só há ganho para os contribuintes numa situação dinâmica, em que um dos cônjuges está desempregado. A tributação separada pode representar um cenário em que o regresso ao mercado de trabalho é menos penalizador. No caso de uma situação estática, em que os dois estão empregados, o incentivo a ganhar mais é menor e, portanto, o regime proposto pelo FMI seria mais penalizador em termos de IRS".