29.3.13

Manifesto Contra uma Europa sem Europeus

in Expresso

Este manifesto, publicado nos principais jornais europeus, exige uma "reconstrução da Europa a partir da base". Subscrevem-no escritores, artistas e intelectuais.

MANIFESTO PARA UMA RECONSTRUÇÃO DA EUROPA A PARTIR DA BASE

Um Ano Europeu de Voluntariado para Todos como resposta à crise do euro!

A juventude europeia tem hoje mais educação do que alguma vez teve. No entanto, um em cada quatro europeus de menos de 25 anos está desempregado. Em muitos sítios, jovens excluídos instalaram acampamentos e exprimiram publicamente o seu protesto através de acões não violentas, que são no entanto a expressão de uma forte exigência de justiça social (em Espanha, em Portugal, nos países do Norte de África, nos Estados Unidos, em Moscovo). O grito de união que fizeram ouvir significa a cólera que sentem face a um sistema político que esgrime as suas armas para salvar os bancos com dívidas astronómicas, mas que ao mesmo tempo sacrifica o futuro das novas gerações. Ora, se as esperanças e as expectativas dos jovens europeus são sacrificadas no altar da crise do euro, o modelo europeu, embora suscite vasta admiração, corre o risco de se desagregar.

O Presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy, espantou o mundo com a sua ideia de fundar um "Peace Corps": "Não perguntem o que o vosso país pode fazer por vós, mas o que podeis vós fazer pelo vosso país".

Nós pedimos então à Comissão Europeia e aos governos nacionais, ao Parlamento Europeu, assim como aos parlamentos nacionais, para criar uma Europa de "cidadãos ativos", mas também para disponibilizar as condições financeiras e jurídicas para que se estabeleça um Ano Europeu de Voluntariado para Todos, oposto ao modelo "de cima para baixo" que prevalece atualmente na Europa, uma Europa das elites e dos tecnocratas.

O objetivo é o de democratizar as democracias nacionais de modo a reconstruir a Europa com base neste grito de união: "Não perguntem o que a Europa pode fazer por vós, mas o que podeis fazer pela Europa - Fazei a Europa!".

Nenhum pensador - de Jean-Jacques Rousseau a Habermas - concebeu a ideia de uma democracia que só consiste em eleições regulares. A crise da dívida, que divide atualmente a Europa, não é apenas económica, mas é igualmente reveladora de uma crise política. Precisamos de uma sociedade civil europeia e da visão das jovens gerações para superá-la. Não podemos tolerar que a Europa se torne o alvo de um movimento de cidadão que se manifestam contra uma "Europa sem europeus".

O Ano Europeu do Voluntariado para Todos não tem de modo nenhum a vocação de suprir as deficiências da Europa; assim como não é destinado a ocultar os falhanços europeus. Ele deve proceder, pelo contrário, como uma forma de desobediência criativa, um contrapoder às elites nacionais e europeias, que oferece um luar de esperança e de resistência face a uma falta de imaginação institucionalizada. Trata-se aqui de um acto de autocriação da sociedade civil europeia, e não de uma esmola concedida aos jovens sem emprego. Um acto de autocriação graças ao qual a Europa se dotaria de uma constituição "a partir da base", e que justificaria a sua legitimidade e criatividade política.

A liberdade política não pode sobreviver numa atmosfera de medo, ela só pode alargar-se se os cidadão tiverem um tecto e souberem de que será feito o amanhã. É por isso que este Ano Europeu do Voluntariado para Todos necessita de um financiamento substancial. Apelamos, por conseguinte, à contribuição da economia europeia.

"Europa-refúgio" ou "Europa-fortaleza"? Nas últimas décadas prevaleceu a "política da fortaleza" que tende a defender a Europa contra os "Outros" - classificados como potenciais inimigos ou criminosos. Mas a Europa, enquanto berço dos direitos do Homem, é historicamente um "refúgio", um lugar onde se refugiam e encontram segurança os que fogem à violência e são perseguidos. É esta ideia de uma "Europa-refúgio" e não fortaleza que deve ser revitalizada e posta em prática para construir uma Europa dos cidadãos. A identidade política da Europa depende da sua capacidade de introspecção e de abertura ao exterior. A sociedade civil europeia só será uma realidade quando os cidadãos aprenderem a ver através do olhar do Outro.

Uma Europa dos cidadãos não pode ter como referência esquemas de ação pré-definidos. Ela deve, pelo contrário, desenvolver novas formas de cidadania activa no seio de redes transnacionais que agem em domínios onde só os Estados não podem propor soluções: por exemplo, a degradação do meio ambiente, as mudanças climáticas, o fluxo de refugiados e de migração, o racismo e a xenofobia, mas também de modo a criar redes artísticas e cívicas, conectar com públicos europeus os espaços de arte e de música, os museus e os teatros. De modo a inventar, em suma, formas de acção que necessitam de um novo contrato social entre o Estado, a União Europeia, a sociedade civil, o mercado, a segurança social, baseado num modelo de desenvolvimento durável.

Qual é o valor acrescentado da Europa? Que representa a Europa para nós? Que modelo poderia e deveria ser a base de uma Europa do século XXI? Para o colectivo "Nós somos a Europa", ser europeu significa ser introspetivo e crítico. A Europa é um laboratório de ideias tanto ao nível político como social que não existe em mais nenhum lado. A identidade europeia desenha-se nos conflitos e divergências entre as culturas políticas respectivas - do citoyen, do citizen, do Staatsburger, do Burgermatschappij, do Ciudadano, do Obiwatel, do Politis. A Europa é também a ironia, a capacidade de rir de si mesma.

Não há melhor meio de conseguir uma Europa plena de vida e de alegria que o da reunião de cidadãos comuns europeus agindo por sua própria iniciativa.

Subscrevem este manifesto, entre outros, os filósofos e sociólogos Jürgen Habermas e Zygmunt Bauman, o ex-diretor da London School of Economics Anthony Giddens, os escritores Imre Kertsz, Herta Muller (ambos Prémio Nobel) e Claudio Magris, o antigo chanceler alemão Helmut Schmidt, o antigo presidente da Comissão Europeia Jacques Delors, o antigo ministro alemão dos Negócios Estrangeiros Joschka Fischer, o arquiteto holandês Rem Koolhaas, o realizador alemão Wim Wenders.