27.3.13

"Vamos desertar, fechar a loja e há-de ser o que Deus quiser"

por Carlos Calaveiras, in RR

A nova lei das rendas já tem alguns meses, mas continua envolta em polémica e a preocupar proprietários e inquilinos. No terreno, as dúvidas são imensas e há quem não compreenda, por exemplo, como paga actualmente 157 euros de renda e recebeu uma carta a pedir 800.

José Jorge tem 70 anos e uma mercearia em Almada onde trabalha há 58 anos. Já não tem dúvidas: vai encerrar no fim do mês. Sente-se empurrado e culpa a nova lei das rendas. "Com a nova renda, não há hipótese de sobreviver", diz à Renascença.

Juntamente com a esposa Cecília, José Jorge paga 241 euros por mês pelo local onde montou o negócio. "A proposta pela nova lei é de uma renda de 665 euros", valor incomportável para o casal.

"Nós sabemos que a economia está de rastos, mas nós pagamos tudo o que temos que pagar relativamente às Finanças. Sempre pagámos. É uma casa que tem 58 anos e o nosso cadastro está completamente limpo. Agora chega a uma altura destas e somos empurrados para aquilo que nós não queríamos. A incapacidade que nós temos para enfrentar esta situação é isto: vamos desertar, fechar a loja e há-de ser o que Deus quiser."

Depois de quase seis décadas a trabalhar no mesmo local e de ver passar gerações e gerações de clientes que se tornaram quase parte da família, José Jorge diz que "é um bocado triste ser posto na rua desta maneira". "Devia haver alguma coisa que salvaguardasse situações destas, mas infelizmente não há e os nossos governantes parece que não se preocupam muito com estas situações."

A decisão está tomada. Já quase sem nada para vender e à espera do fim do mês para encerrar portas, os dias passam devagar. O pouco "stock" que ainda há vai-se vendendo, mas sem facturas, porque não há dinheiro para a nova máquina registadora. Chegou a estar encomendada, mas já não vem.

"Temos que pagar o que ela quer"

Ainda não são 10h00 do primeiro dia de Março e já não há cadeiras vagas na zona de espera da Associação dos Inquilinos Lisbonenses (AIL), na Avenida Almirante Reis. Tem sido assim nos últimos meses, devido à nova lei das rendas, e já há dezenas de pessoas que esperam por uma consulta. Muitos precisam de ajuda para responder às cartas dos proprietários.

Marivone Henriques, sobrinha de um casal de 77 e 79 anos, veio com a tia para saber como responder à proposta que lhes chegou pelo correio. O rendimento mensal do casal ronda os mil euros e pagam actualmente 157 euros de renda. O senhorio pretende agora que passem a pagar 800 euros. Estranham este aumento, consideram até que é ilegal e, por isso, vieram aconselhar-se com a AIL.

Maria Antónia, 65 anos, também precisa de ajuda. Mora em Sacavém e foi com o marido até Lisboa pedir conselhos à AIL, porque o primeiro "round" com a senhoria não correu nada bem: o casal pagava 52 euros de renda e agora foi "convidado" a pagar 390. Maria Antónia, com um rendimento familiar de pouco mais de mil euros, reclamou, mas a senhoria "não aceitou, porque diz que temos que pagar o que ela quer".

Também à espera de vez está Maria de Lurdes Gaspar. Tem 63 anos e reformou-se antecipadamente por problemas de saúde - o marido também é reformado. Moram na Amadora e, com 900 euros por mês para gerir em casa, os 117 euros de renda estavam bem. Agora, receberam uma carta a exigir 350 euros. "O senhorio sabe que não pode [propor este aumento], porque o nosso IRS não o permite", diz Maria de Lurdes.

Inês Paiva está na fila de espera para resolver o caso dos pais, que têm 80 e 78 anos, respectivamente. Moram em Moscavide há mais de cinco décadas e têm um rendimento a rondar os 1.000 euros. Pagavam até agora 86 euros de renda mensal e a carta que chegou a casa pedia 300. Responderam ao senhorio e o novo valor em cima da mesa passou a ser de 242 euros. Inês Paiva acorreu à AIL para saber se o montante pedido está de acordo com a nova lei.

Já Filipa Magalhães fala em nome do pai. Mandou um e-mail à Renascença para contar a sua história: Jorge Melo tem 70 anos, vive há mais de 30 na mesma casa e tem uma reforma de 600 euros. A carta do senhorio chegou a 15 de Fevereiro com a proposta de aumentar a renda de 91 para 425 euros. Filipa diz-se "desesperada, sem saber o que fazer".

A nova lei das rendas já tem alguns meses, mas continua envolta em polémica. Para contribuir para o esclarecimento das dúvidas existentes, a Renascença vai ter uma emissão especial na próxima terça-feira, 2 de Abril, com a ministra do Ordenamento do Território. Assunção Cristas vai responder às suas perguntas. SAIBA MAIS AQUI.