Por Nuno Ramos de Almeida, in iOnline
Na Grécia, em Espanha e em Portugal, a geração do Facebook sustenta os protestos, apoiada pela maioria da população. “A Europa e a sua juventude estão unidas na raiva por causa de uma política que salva bancos com quantias de dinheiro inimagináveis, mas desperdiça o futuro da geração jovem”, escreve Ulrich Beck. Nuno Ramos Almeida mostra-lhe o que pode encontrar no livro ”
É um dos grandes nomes da sociologia contemporânea. O autor da “Sociedade do Risco” pronuncia-se sobre a crise da Europa, as suas estratégias de poder e o papel da liderança alemã de Angela Merkel. “A Europa Alemã - De Maquiavel a ‘Merkievel’: Estratégias de Poder na Crise do Euro” é um livro muito interessante.
O autor começa por citar o historiador britânico Timothy Garton Ash: “ No ano de 1953, Thomas Mann fez um discurso a estudantes em Hamburgo no qual os exortou a não aspirarem a uma ‘Europa alemã’, mas sim a uma ‘Alemanha europeia’. Esta fórmula foi repetida vezes sem conta no momento da reunificação. Porém, hoje, estamos a assistir a uma variação que poucos previam: uma Alemanha europeia numa Europa alemã.”
Estamos subjugados pelo discurso do “economês” que prega a inevitabilidade de determinadas escolhas alegadamente científicas ditadas pela economia, tentando fazer esquecer que a nossa crise está longe de ser apenas uma crise económica. “Estamos sobretudo perante uma crise da sociedade e do ‘político’ - assim como da compreensão predominante da sociedade e da política. Portanto, não sou eu que me movo no terreno estranho da economia. Foi a economia que se esqueceu da sociedade da qual trata”, alerta o autor no prefácio deste ensaio.
Ulrich Beck é professor emérito de Sociologia na Universidade de Munique e dá aulas na conceituada universidade de Harvard e na London School of Economics. É um autor reputado no mainstream sociológico. A sua obra mais conhecida é a “Sociedade do Risco”, onde o autor defende que, na Idade Moderna, os decisores políticos e económicos costumam tomar decisões complicadas com base no cálculo das probabilidades de as coisas correrem bem, mas tendem a ignorar um factor determinante no nosso actual estado de desenvolvimento, que é o risco. Uma central nuclear pode ser 99,9999% segura. Mas o facto de haver 0,0001% de possibilidades de tudo correr mal e destruir o planeta devia obrigar os decisores políticos a não a construir.
“O desconhecimento que se propaga constitui uma característica essencial de uma dinâmica à qual as sociedades ocidentais estão entregues actualmente. A sociedade do risco é, em certo sentido, sempre também uma sociedade de possibilidades. As centrais nucleares, cujo complexo funcionamento interno não entendemos, poderiam eventualmente ter uma avaria; os mercados financeiros, que mesmo os equilibristas da bolsa deixaram, ao que parece, de entender, poderiam eventualmente sofrer um colapso. O condicional enquanto estado permanente: hoje, antecipamos permanentemente catástrofes que poderiam acontecer amanhã. O condicional catastrófico irrompe no cerne das instituições e no quotidiano das pessoas - é imprevisível, não se preocupa com a Constituição e as regras da democracia, está carregado de um desconhecimento explosivo e faz desaparecer todos os pontos de referência”, nota o ensaísta.
No malogrado Walter Benjamim, o caminho da história não nos levava a um final feliz. O máximo a que os homens podiam ambicionar era interromper o curso da história. Recusar o caminho do precipício. O pensamento de Ulrich Beck é mais optimista, se de optimismo podemos falar. Para ele, a iminência da catástrofe é um convite a uma mudança necessária. Esta alteração de caminho não é inevitável, mas a catástrofe à vista deve fazer-nos pensar.
Resta saber que sinais do apocalipse precisam de ver os políticos e os economistas para quem o aumento contínuo do número de desempregados e o empobrecimento generalizado das sociedades é um triunfo da reforma económica da Europa.
Para o autor, o fim da União Soviética, os ataques do 11 de Setembro, as alterações climáticas, a catástrofe nuclear de Chernobyl e a crise financeira e do euro possuem duas características comuns: são inimagináveis antes de terem ocorrido e as suas consequências são globais.
“Observe-se, mais uma vez, que quando a expectativa de catástrofe determina a consciência pública, os fundamentos da sociedade e do ‘político’ alteram-se, as antigas instituições deixam de ser adequadas aos problemas, é possível ou até necessário alterar as regras”, diz Beck, que profetiza que, nestes tempos de catástrofe iminente, se abre espaço para “pequenas e grandes revoluções”. O autor mostra-se impotente para prever em que direcção serão feitas estas mudanças, mas traça duas ordens de cenários que baptiza de cenário hegeliano e cenário Carl Schmitt.
No primeiro haveria o triunfo da “astúcia da história”: os egoísmos nacionais determinariam as respostas à crise até o carro da Europa ficar pendurado no abismo; nessa altura, os actores reconheceriam no último minuto a necessidade de “cooperar ou morrer”. Ficariam por responder duas questões: como poderá a capacidade de acção política ser reconstruída na era de riscos globais? Como se pode concretizar democraticamente este cenário de cooperação a nível europeu?
No outro cenário temido por Ulrich Beck e a que chama Carl Schmitt, surgirão novas estratégias de poder e legitimação. Como escrevia Schmitt, “na excepção, a força da verdadeira vida quebra a crosta de um mecanismo cristalizado de repetição”. Estamos, portanto, entre reforma e revolução.