Por Kátia Catulo, in iOnline
Portugal é um dos países europeus com a escolaridade obrigatória mais longa, mas especialistas avisam que recuar é um contraciclo
A primeira fornada de alunos do 12.o ano abrangidos pela escolaridade obrigatória até aos 18 anos chegou este ano lectivo às salas de aula, fazendo de Portugal um dos poucos países europeus a implementar esta medida até ao fim do ensino secundário. A decisão seguiu o calendário sem que este e o anterior governo, ou sequer esta ou outra oposição, contestasse a proposta de lei do executivo socialista, aprovada em 2009 por unanimidade no parlamento. O sobressalto chegou agora com a Juventude Popular (JP) a defender o recuo para o 9.o ano. A proposta, incluída na moção estratégica apresentada no último congresso do CDS-PP, considera o prolongamento da escolaridade obrigatória "um erro" com impacto no insucesso escolar. Mas na esfera política ou entre os especialistas de educação, quase ninguém levanta o dedo para apoiar a tomada de posição da JP.
A começar pelo ministro Nuno Crato que já avisou publicamente que este "não é assunto" que lhe passe "pela cabeça" e irá cumprir a decisão da Assembleia da República. E a continuar com directores, professores ou analistas educacionais a recusarem fazer a inversão numa marcha em andamento. Todos eles ressalvam que o sistema de ensino não está ainda preparado para aplicar a medida ou que a retenção escolar será o principal obstáculo. Mas isso não é o suficiente para voltar atrás. "Deveríamos estar mais focados em tentar criar condições para aplicar esta medida com a maior tranquilidade possível", avisa o presidente do Conselho de Escolas, Manuel Esperança.
Em qualquer parte do mundo, principalmente nos países "mais desenvolvidos", a evolução das políticas educativas "tem sido sempre no sentido da expansão da escolarização das populações e não no seu retrocesso", avisa o professor de ensino básico e historiador da Educação, Paulo Guinote. Propor o recuo na escolaridade obrigatória, diz por seu turno o dirigente da Associação Nacional dos Directores, "estará sempre desenquadrada da realidade do país e só revela uma visão elitista da educação", critica Manuel Pereira.
A proposta, aliás, só não é inédita porque faz lembrar o que aconteceu "durante os primeiros tempos do Estado Novo, quando se recuou na obrigatoriedade de quatro para três anos no Ensino Primário", conta Paulo Guinote. O historiador ressalvou que, em 2009, até foi uma das "poucas vozes cépticas" perante uma decisão que não foi suportada por um "adequado estudo" das suas consequências: "Nesse momento, tal como em 2004, quando o então ministro David Justino propôs originalmente tal alargamento, a Juventude Popular apoiou de forma entusiástica a medida e argumentou em seu favor."
Apoiar a redução da escolaridade quando a medida está ainda nos primeiros anos da sua implementação não faz agora qualquer sentido, diz o especialista em História da Educação, defendendo que é em "períodos de maior crise económica que os investimentos em Educação devem ser feitos, por forma a existir capital humano qualificado no momento de retoma."
Quebrar ciclos A falta de recursos nem sequer pode ser utilizada como pretexto, defende o presidente da associação nacional dos directores: "A aposta na educação terá sempre de ser uma decisão estratégica em tempos de austeridade ou de prosperidade." E apelar à liberdade individual de decidir suspender os estudos e começar a trabalhar, como defende a JP, só faz sentido num país altamente escolarizado, que não é o caso, lamenta Manuel Pereira: "A liberdade individual é uma ficção. Todos os estudos, inquéritos ou análises mostram uma correlação quase directa entre a escolaridade dos alunos e das famílias." Ou seja, filhos com pais mais escolarizados são os que vão mais longe nos estudos. E famílias com menos habilitações têm por outro lado filhos com percursos escolares e académicos menos bem-sucedidos. " É contra este ciclo que temos de lutar. E esse papel cabe sobretudo ao Estado."
insucesso Se a escolaridade até aos 18 anos vai ou não aumentar os casos de retenção escolar isso é um outro debate que merece profunda reflexão, diz Manuel Pereira. Mas será sempre um capítulo à parte que implica repensar o actual sistema educativo e encontrar novos modelos. Ou alternativas, acrescenta por sua vez o presidente do Conselho de Escolas: "O que defendo pode chocar muitas famílias mas estou convencido de que as escolas têm de ter uma palavra decisiva sobre o percurso escolar dos seus alunos, sem estarem dependentes da vontade dos encarregados de educação, ainda muito presos ao estigma negativo que sentem sobre o ensino vocacional e profissional."
O presidente do Conselho das Escolas admite que os chumbos dos alunos nos ensinos básico e secundário é um "problema sério", até porque quando na mesma turma há alunos de dez e 11 anos ao lado de colegas com 14 e 15, isso só revela "que há algo a não bater certo." E quando um psicólogo e professores traçam o perfil de um aluno que nunca se encaixou num currículo vocacional, a direcção deve ter autoridade para propor um percurso escolar alternativo: "Se um adolescente não gosta das aulas, dificilmente poderá ser motivado, causando provavelmente perturbações na sua turma." Caberá portanto às escolas, conclui Manuel Esperança, resolver este problema e encontrar alternativas sem ficar "à mercê" das famílias.
Aplicar o alargamento da escolaridade obrigatória será sempre um desafio tanto para escolas como para o Ministério da Educação, e também uma medida que deveria ter sido melhor preparada: "Em Portugal, somos especialistas em mudar sem avaliar e deveríamos ter tido mais cuidado antes de avançar para o terreno." Mas de nada serve recuar agora, defende Manuel Esperança: "A proposta da Juventude Popular é absurda, devemos é trabalhar onde o sistema educativo está a falhar."
E surge em contraciclo, "fora do tempo e com motivações pouco transparentes, pois parece que o que está em causa é uma alegada redução dos encargos do Estado, embora se defenda o aumento do apoio ao sector privado, e não uma medida com base num pensamento articulado sobre o futuro da Educação em Portugal", remata Paulo Guinote.
Os modelos europeus
Espanha
O ensino é obrigatório dos 6 aos 16 anos de idade e divide-se em duas etapas: a educação primária - três ciclos com a duração de dois anos cada um, equivalente ao nosso 1.º e 2.º ciclo - e a Educação Secundária obrigatória com quatro cursos - equivalente ao nosso 3.º ciclo e ensino secundário.
França
O ensino é obrigatório para os alunos entre os 6 e os 16 anos e divide-se em três etapas: educação primária (6 a 11); educação secundária baixa (11 aos 15 anos, equivalente ao 3.º ciclo) e educação secundária alta (mais de 15 anos, equivalente ao secundário).
Alemanha
O sistema de ensino alemão está organizado por educação a full-time e a partime. A educação obrigatória em full-time abrange os jovens entre os 6 e os 15/16 anos (dependendo da zona). Para quem não ande numa escola a full-time, então a educação é obrigatória até aos 18 anos. O sistema está também dividido entre educação primária (6 aos 10 anos), equivalente ao nosso 1.º e 2.º ciclos; educação secundária baixa (10 aos 15/16), equivalente ao 3º ciclo, e educação secundária elevada (15/16 aos 18/19,) equivalente ao secundário.
Inglaterra
O ensino é obrigatório entre os 5 e os 16 anos e divide-se entre primário (5-11) e secundário (11 aos 16). A maioria dos alunos vai directamente do ensino primário para o ensino secundário mas em algumas zonas existem escolas “intermédias”, que têm alunos entre os 8 e os 13 anos.
Finlândia
O ensino obrigatório começa quando as crianças têm 7 anos e dura nove anos. A educação é gratuita para todo o ensino básico.


