por Luís Reis Ribeiro, in Diário de Notícias
O representante permanente do Fundo Monetário Internacional (FMI) em Portugal declarou a uma audiência de gestores estrangeiros que os portugueses continuam a consumir acima das suas possibilidades, a estrangular, dessa forma, a capacidade de investimento e questionou-se sobre a eficácia das muitas reformas já adotadas, nomeadamente a do mercado de trabalho.
E deixou outro aviso: a economia portuguesa precisa de crescer, pelo menos, 2,7% ao ano, em termos reais, para que o desemprego comece a descer de forma sustentada.
Numa apresentação realizada na semana passada em Lisboa, no Austria Business Circle, uma plataforma para empreendedores na Catalunha e espanholas ligadas ao mercado austríaco, Albert Jaeger, o representante do FMI, fez uma análise comparativa bastante sintética e numérica, e tenta captar em que ponto do ajustamento se encontra o país.
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Ao contrário do que têm sugerido vários membros do Governo, o economista austríaco levanta dúvidas sobre a sustentabilidade de uma balança de pagamentos positiva a prazo, tendo em conta o “excesso” de consumo face ao rendimento disponível líquido da economia.
Justapondo os três ajustamentos do Fundo em Portugal - 1977/79, 1983/85 e atual, já em conjunto com a Comissão Europeia e o BCE - Jaeger observa que “a conta corrente [grosso modo, a diferença entre o que o país exporta e transfere lá para fora e o que tem de comprar ou ir buscar ao exterior] teve um ajustamento de facto muito rápido, como nos dois programas anteriores do FMI”.
Mas para tentar responder à pergunta “Ajustamento externo: missão cumprida?”, o especialista alerta que “o excesso de consumo permanece elevado”, acima de 100% do rendimento disponível líquido da economia.
No segundo ano do ajustamento (2012), este rácio rondava os 105,3%, este ano valerá 103%, segundo dados da Comissão Europeia. Em 1977/79 e 1983/85, o consumo não parecia tão excessivo: estava a abaixo do rendimento disponível (os rácios estavam um pouco acima de 85% e 90%, respetivamente).
O problema deste ajustamento, continua, “é que em consequência disso, o investimento líquido é negativo”e está “muito abaixo dos níveis dos dois programas anteriores”, quando era positivo (superior a 10%). Sem investimento (e poupança em vez de consumo), não há capacidade interna para criar empregos.
E se tantas reformas ficarem aquém?
Uma das formas de elevar o potencial da economia é, tem defendido sempre o FMI, fazer reformas estruturais profundas. Jaeger reconhece que “muitas foram adotadas”, como a do mercado de trabalho, do sistema judicial, do mercado de arrendamento, do sistema fiscal. Mas uma vez mais as dúvidas: o começo foi forte, mas será que as reformas se vão manter? Haverá “força para as implementar?”
E no mercado de trabalho? Aqui, o FMI sempre quis ir mais além do que foi aprovado até agora, no âmbito dos memorandos.
Será que a descida do desemprego estimada para 2013 e 2014 é uma compensação do excesso de redução de empregos por parte das empresas quando a crise foi mais aguda? Ou são já os efeitos positivos da reforma laboral?. São outras das questões levantadas.
Uma coisa é certa: à luz da lei de Okun (relação inversa entre crescimento e desemprego), Portugal “precisa de crescer 2,7% [em termos reais] para manter a taxa de desemprego constante”. Ou de crescer mais que isso se quiser reduzir o desemprego de forma sustentada e pronunciada.