30.1.14

A destruição da classe média

Por Eduardo Oliveira Silva, in iOnline




Está a desaparecer uma fatia da população, enquanto uma pequena parcela acumula riqueza e pouco contribui para o colectivo




Há muito que a classe média é o motor da sociedade moderna. É na sua capacidade criativa e de produção de riqueza que assenta o desenvolvimento e foi a sua implantação que permitiu o crescimento do consumo e dos grandes negócios.

Além disso, a existência da classe média foi geradora do desejo de mobilidade e ascensão social por parte das classes mais baixas que a ela se guindavam, nomeadamente por via da educação, essa superior forma de progresso.

Apesar destes factos incontroversos, é hoje sobre a classe média (que concentra o dinheiro mais limpo e colectável) que se abatem as sucessivas medidas de austeridade decretadas pelos governos, deixando desprotegida uma população essencial que empobrece todos os dias, trabalhadores quer do Estado quer do privado ou sobretudo reformados.

Esta perseguição faz com que haja pessoas que viram pensões da Segurança Social que há quatro anos andavam nos 2400 euros ser objecto de um confisco de 500 euros mensais, por via de cortes sucessivos iniciados no tempo de Sócrates completados pela famigerada CES (outro imposto) e uma revisão em alta do IRS, isto para não falar do aumento do custo de vida e de todas as taxas e impostos possíveis.

É na franja que vai dos mil aos dois mil e quinhentos euros de rendimento líquido que se encontra boa parte do número de trabalhadores activos, comerciantes e reformados que efectivamente contribuíram durante uma vida inteira, fazendo os seus descontos, a que se juntaram os das empresas.

É exactamente por isso que hoje se chegou a um ponto em que não é possível sacrificar mais esta faixa da população, porque já não há equidade.

Quem ganha muito bem e trabalha para outrem já prefere reduzir salários e investir em PPR privados, o que é um dos objectivos de qualquer governo liberal como o actual. Mas isso vai agravar ainda mais as contas da Segurança Social, que agregam milhares de pensionistas que pouco ou nada descontaram. Como é evidente, ao Estado compete dar esse apoio assistencialista e humanitário, mas o propósito não deve ser obtido à conta de quem teve uma vida contributiva estável e longa, criando riqueza e assegurando apoio às gerações mais novas. Não colhem os exemplos demagógicos que usam certos governantes para legitimar cortes, alegando que deixam de fora 87% dos pensionistas, pois isso é dizer que há 13% que suportam tudo, o que é praticamente um atentado a direitos humanos e reconhecer que os restantes vivem abaixo do limiar da pobreza.

Evitar a destruição da classe média que já não está activa, da que persiste em ficar por cá e da que é obrigada a fugir para o exterior, é o maior desafio para Portugal e a Europa nos próximos tempos.

Para conseguir, é necessário entrar numa fase de crescimento económico, mas também ir buscar contributos ao capital especulativo que faz dinheiro sobre dinheiro sem criar postos de trabalho e riqueza ao nível do cidadão, enquanto milhares de milhões se deslocam de um ponto para outro à velocidade da luz.

Se assim não for, deixará de existir classe média, sobrando uma massa proletarizada que interessará enquanto for consumindo algo para comer e comprar mais um conjunto de coisas electrónicas normalmente inúteis, para gáudio das 85 personagens que, segundo um relatório sobre a desigualdade publicado a propósito da reunião de Davos, acumulam 1,7 mil milhões de dólares, tanto como metade da população do mundo, ou seja, 3,5 mil milhões de pessoas.