Ana Dias Cordeiro, in Público on-line
O Presidente dos Estados Unidos já tinha evocado em Dezembro a ameaça ao “sonho americano”. Agora, um projecto de economistas de Harvard e de Berkeley concluiu que o contexto social exclui muitas crianças de um futuro que podia ser brilhante
O retrato varia muito de cidade para cidade dos Estados Unidos, e de região para região. Como se o país não se enquadrasse afinal na ideia clássica de “terra de oportunidades” mas fosse um conjunto de terras diversas – algumas de oportunidades, outras não.
Numa mesma cidade, as oportunidades podem também variar entre uma pessoa que viva numa zona de transportes fáceis, boas escolas, cuidados de saúde e uma boa rede comunitária de participação e ajuda, e outra que esteja confinada aos subúrbios, viva longe do trabalho, seja obrigada a passar várias horas nos transportes ou a deixar os filhos em escolas problemáticas.
Essa diversidade é uma das principais conclusões – mas não a mais surpreendente – do estudo resultante do Projecto de Igualdade de Oportunidades (“Equality of Opportunity Project”) – conduzido por um grupo de académicos das Universidades de Harvard e Berkeley, e publicado esta quinta-feira nos principais jornais dos Estados Unidos.
A descoberta mais surpreendente, para economistas especializados nas questões da mobilidade social e das desigualdades, como os próprios reconheceram em várias entrevistas, é esta: o mundo de oportunidades que se abre para uma criança nascida numa família pobre, hoje, é praticamente o mesmo que era há 40 anos anos nos Estados Unidos. E fica abaixo de muitos países desenvolvidos. As consequências para uma criança de nascer numa família pobre, essas, são maiores do que em décadas anteriores. Isso acontece, sintetiza o Washington Post, porque a diferença entre extremos – ricos e pobres – é maior. E subir os degraus da escala social não se tornou mais fácil.
Assim, a pergunta “É a América a ‘Terra da Oportunidade’?” está longe de ter uma resposta clara, escrevem os autores numa síntese do estudo, que pode ser consultado em http://www.equality-of-opportunity.org/. Nathaniel Hendren, Patrick Kline, Emmanuel Saez, Nicholas Turner e Raj Chetty, que lidera a equipa, preferem descrever os Estados Unidos do século XXI como “um conjunto de sociedades” e uma mistura de “terras de oportunidades” (com elevados níveis de mobilidade social entre gerações) e de terras onde afinal muito poucas as crianças conseguem escapar à pobreza.
Nascer pobre e ficar pobre é mais provável em cidades como Atlanta (Geórgia), Cincinnati ou Columbus (Ohio), Charlotte e Raleigh (Carolina do Norte) entre outras. O Sudeste do país e o Midwest industrial são as zonas cinzentas, no extremo oposto do Nordeste ou Oeste, onde é mais fácil atravessar barreiras sociais, por exemplo no estado da Califórnia, ou em cidades como Pittsburgh, Boston ou Nova Iorque.
A mobilidade social em cidades como Salt Lake City (Utah) ou San Jose (Califórnia) estão ao nível dos níveis na Dinamarca. Atlanta (Geórgia), no outro extremo, consegue estar abaixo de todos os países desenvolvidos (para os quais existem dados disponíveis).
A riqueza de uma região não é absolutamente decisiva. O que muda entre estas cidades é também o que os autores identificam como os cinco factores que abrem ou fecham oportunidades: a segregação (viver num gueto racial ou social), a desigualdade, a estrutura familiar, a qualidade da escola e o grau de envolvimento comunitário na vida das pessoas.
A partir da análise de dados relativos ao rendimento de milhões de pessoas (sem especificar quantas), o estudo posiciona-se como o mais próximo da realidade alguma vez realizado na tentativa de associar as oportunidades ao meio onde se nasceu e cresceu. E conclui que 70% das crianças nascidas em famílias pobres permanecem abaixo da classe média na idade adulta.
"Somos melhores do que isto"
Com o tempo, nas últimas quatro a cinco décadas, o que podia ter melhorado com uma mais vasta oferta de bolsas de estudo e novas oportunidades de carreira para as mulheres e para as minorias foi afinal contrabalançado pelo aumento acentuado das desigualdades entre ricos e pobres.
A imprensa norte-americana prevê que o tema da mobilidade – desta forma associado ao da crescente desigualdade – seja agora ainda mais susceptível de entrar pelo discurso político. E de alterar os contornos que definem a ideia do “sonho americano” (American Dream) e dos Estados Unidos como uma “terra de oportunidades”.
Num discurso no Center for American Progress, em Dezembro passado, o Presidente dos Estados Unidos Barack Obama evocava o assunto ao qual deve voltar no discurso do Estado da União, no próximo dia 28.
“A ideia de que tantas crianças nascem pobres na mais rica nação do mundo já provoca consternação. Mas a ideia de que uma criança nunca será capaz de escapar à pobreza por não ter oportunidades de educação e de saúde deve indignar-nos a todos e obrigar-nos a agir. Enquanto país, somos melhores do que isto”, disse Obama.