Glória Rebelo, in Público on-line
O que se exige é uma democracia em que as pessoas estejam primeiro e uma economia que cumpra o que é suposto cumprir: conferir qualidade de vida e bem-estar social às pessoas.
De acordo com os dados recentemente divulgados pelo INE relativos ao 1.º trimestre de 2014, a proporção de desempregados à procura de emprego há 12 e mais meses no total da população desempregada foi estimada em 63,6%.
Como se sabe, face à intensidade dos efeitos de uma forte destruição de emprego – que se iniciou em 2008 com as repercussões da crise financeira internacional – e consequente aumento do desemprego, assim como da precariedade do emprego (em proporção de contratos de trabalho a termo e temporários), são inúmeros os problemas do mercado laboral em Portugal. Mas, de entre esses, merece especial destaque o do aumento do desemprego de longa duração.
A verdade é que se constata uma tendência para um aumento significativo, desde o início desta crise, deste problema, sobretudo junto da população com 45 ou mais anos. E esta situação deve-se, pelo menos em parte, à destruição de emprego permanente e ao incremento dos despedimentos, em particular dos despedimentos coletivos e dos despedimentos por extinção de posto de trabalho. Por exemplo, segundo dados do INE, em 2013 a população desempregada há 12 e mais meses (desemprego de longa duração) aumentou 16,7% relativamente a 2012. E no 1.º trimestre de 2014 prosseguiu o aumento da proporção de desemprego de longa duração no total de desemprego: dos 788,1 mil desempregados registados, 500,9 mil eram desempregados de longa duração.
A nossa Constituição da República Portuguesa consagra um conjunto de relevantes direitos sociais que permitiram que nestes 38 anos da sua vigência a nossa democracia tenha percorrido um trajeto progressista de mudança em dimensões sociais fundamentais, designadamente ao nível do bem-estar social e da melhoria das condições de vida e de trabalho. Num contexto de respeito pelos direitos fundamentais afirmou-se, acima de tudo, o propósito de promover uma sociedade justa e solidária tendo por desígnio um desenvolvimento sustentável. Entre os direitos dos trabalhadores consagrados na Constituição – que, no seu todo, estabelece uma ordem de valores que têm o seu âmago na dignidade da pessoa humana, principal elemento axiológico do nosso ordenamento constitucional – contam-se, designadamente, os direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores (artigos 53º-57º), não deixando de ser significativo que o primeiro destes direitos seja, justamente, o direito à segurança no emprego.
Ora em 2013, sobre as alterações da Lei n.º 23/2012 ao regime de despedimento por extinção de posto de trabalho (assim como do regime do despedimento por inadaptação), o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 602/2013, declarou a inconstitucionalidade de normas do Código do Trabalho, por violação da proibição de despedimentos sem justa causa consagrada na Constituição. Recentemente, a Lei n.º 27/2014, de 8 de maio, que procede à sexta alteração ao Código do Trabalho, altera o regime de despedimento e no que respeita ao despedimento por extinção de posto de trabalho fixando os seguintes critérios: pior avaliação de desempenho, com parâmetros previamente conhecidos pelo trabalhador; menores habilitações académicas e profissionais; maior onerosidade pela manutenção do vínculo laboral do trabalhador para a empresa; menor experiência na função; menor antiguidade na empresa.
E esta sequência de critérios não pode deixar de merecer reflexão. Desde logo, o critério da “pior avaliação de desempenho” estabelece uma comparação, e a questão que suscita é: “Pior em relação a quê?” Depois pressupõe que a generalidade das empresas portuguesas – incluindo a grande maioria do nosso tecido empresarial, ou seja, as microempresas e as pequenas empresas – promova um sistema de avaliação de desempenho rigoroso, eficaz, transparente, apto a estimular a confiança, a todos os níveis, entre trabalhador e empregador, importando que não se permita penalizar aqueles que, no passado, bem cumpriram mas hoje envelheceram. Além do mais, convém que se concretize ainda o conceito de “menores habilitações académicas e profissionais”, uma vez que pode um trabalhador possuir relevante experiência profissional e menos habilitações académicas do que outro trabalhador mais jovem mas muito menos experiente. Tanto mais que, pelo critério imediato “maior onerosidade pela manutenção do vínculo laboral do trabalhador para a empresa”, se estima que algumas empresas optem por fazer cessar contratos de trabalho com os trabalhadores mais antigos e mais bem remunerados e por contratar trabalhadores jovens, mas remunerando-os com salários muito mais baixos.
Por estas razões importa estimar as consequências destas alterações, dado que sabemos que os conceitos indeterminados conduzem a normatividades movediças com repercussão na jurisprudência, podendo enfraquecer o sistema legal de garantias que rodeiam a admissibilidade do despedimento, e avolumando os já graves problemas do mercado de trabalho, como é justamente o da muito fraca empregabilidade das pessoas com 45 ou mais anos. Ora muitas destas pessoas de meia-idade agora no desemprego, e muito distantes da idade mínima de reforma por velhice, se outrora confiantes num rápido regresso ao trabalho agora, com o prolongar das situações de permanência no desemprego, acabam por perceber que na realidade estão “inativas à força”. Para lá da perda deste relevante capital humano para a economia e o desenvolvimento do país, trata-se de uma enorme injustiça social.
Assim, convirá perceber se estas alterações ao Código são enformadas pela ideia de equilíbrio, garantindo o respeito pelos direitos fundamentais dos trabalhadores, ou se são alterações na estrita prossecução de proveitos empresariais.
O que se constata é que esta crise financeira internacional de 2007/2008 salientou não só o lado ineficiente e instável da economia como também, fundamentalmente, acentuou injustiças sociais. O direito a ter um emprego decente (com condições de trabalho e remuneração decente) em qualquer fase da idade, num contexto de uma economia e uma sociedade mais justas, que trate os cidadãos com dignidade, é uma exigência de uma democracia que reflete o interesse geral e não apenas os interesses particulares de alguns. De certa maneira, o que se exige é uma democracia em que as pessoas estejam primeiro e uma economia que cumpra o que é suposto cumprir: conferir qualidade de vida e bem-estar social às pessoas.