2.2.21

Desempregados e sem apoios sociais. Como pagar as contas e pôr comida na mesa?

Ana Carrilho, in RR

O subsídio social de desemprego não está a chegar a todos e há relatos de desespero de quem não consegue pagar as contas mais básicas. Conheça as histórias de Liliana, de Portimão, e de Sara, de Gaia, ambas com filhos.

Milhares de pessoas esgotaram todos os apoios ao desemprego. O Governo aprovou a “Medida de Apoio ao Rendimento dos Trabalhadores”, destinada a assegurar os rendimentos dos trabalhadores que perderam trabalho ou terminaram os apoios.

Mas quem precisa tem muitas dúvidas e, neste janeiro, muitos foram que pouco ou nada receberam de prestações de desemprego. Em estado de emergência, com a economia “fechada”, as hipóteses de arranjar trabalho são quase nulas. E desesperam sem saber como vão pagar despesas básicas como a renda, água, luz, gás ou a alimentação.

Alguns encontraram-se nas redes sociais, juntaram-se e “bombardearam” todas aquelas entidades e personalidades que poderão ajudar a resolver a situação: do presidente às centrais sindicais, passando pelo Governo e partidos políticos. Até agora, só Bloco de Esquerda os ouviu e já apresentou um Projeto de Resolução. Entretanto, lançaram uma petição em que pedem a prorrogação dos apoios sociais no desemprego. Em pouco mais de três dias reuniu cerca de 2.500 assinaturas.

24 horas fazem a diferença no orçamento da família

Sara trabalhava num supermercado; o marido era serralheiro mecânico numa empresa que declarou falência. Ficaram desempregados na mesma semana, no final de 2019. Ambos tiveram direito a 13 meses de subsídio de desemprego. O de Sara terminou a 31 de dezembro; o do marido, no dia 1 de janeiro.

Resultado: ele está abrangido pela medida de prolongamento do Subsídio de Desemprego por mais seis meses a quem esgota a prestação em 2021 prevista no Orçamento de Estado; ela, não. Quanto muito, terá direito ao Subsídio Social de Desemprego, mediante a verificação da “condição de recursos”.

Na casa deste casal de Gaia, com dois filhos de 10 e 11 anos, este mês entraram apenas 17,93 euros da prestação de desemprego do marido de Sara e só em fevereiro deverá chegar o restante.

Sara é uma das pessoas que revelou o seu caso nas redes sociais. Como outros, em situações muito mais dramáticas, em desespero. Depressa concluíram que tinham de ir além dos lamentos. Juntaram esforços e criaram um grupo no Whatsapp. E depois, “bombardearam” todas as entidades que pensam que, de alguma forma, podem ajudar a resolver o problema, nomeadamente com a prorrogação dos apoios sociais.

“É urgente resolver esta situação porque este mês há milhares de famílias que já não têm dinheiro para pagar as contas. São histórias de fazer chorar”, diz Sara em declarações à Renascença. “A minha é triste, mas ainda há pior. Não sabem onde vão buscar dinheiro para pagar comida para os filhos, a renda, água, luz … coisas básicas”.

Sara faz parte do grupo de administradores do grupo “Direito à Prorrogação” e é uma das mais ativas nos contactos. O apelo seguiu para a Presidência da República, Governo - nomeadamente, Ministério do Trabalho e Segurança Social - centrais sindicais, deputados e partidos.

De alguma forma, revela-se frustrada: uns não respondem, de outros chegam respostas automáticas, do tipo “tomámos conhecimento e será tratado”. No entender de Sara, é outra forma de não responder, de “encostar o e-mail num canto e não ligar nenhuma. Precisamos que Portugal inteiro nos ouça e nos ajude a fazer ver ao Governo que tem de ajudar estas famílias, senão ficam afogadas”.

Até ao momento, o Bloco de Esquerda foi o único que respondeu.
Deve 250 euros de luz e este mês não pagou a renda

Liliana Pereira vive em Portimão, é separada e tem dois filhos, de 9 e 5 anos. A doença crónica do mais novo obrigou-a a uma baixa prolongada e pouco tempo depois de voltar ao café onde trabalhava, foi dispensada. Seguiram-se uns meses num minimercado, mas há mais de ano e meio que não trabalha.

Recebeu Subsídio de Desemprego e Subsídio Social de Desemprego, que foi prorrogado até dezembro do ano passado, por causa da pandemia.

“Agora estou sem nada”, e já pedi o Apoio aos Desempregados de Longa Duração em novembro, mas não tenho resposta. Parece que o pedido anda perdido”, diz Liliana à Renascença, queixando-se das respostas que tem da Segurança Social. Em Portimão, dizem-lhe que o pedido foi registado e está em análise; em Faro, não há registo. Com um agendamento para o próximo mês, espera ter resposta e soluções.

“Compreendemos que têm muito trabalho. E nós? Temos de pagar as contas”.

Liliana, a fundadora do grupo “Direito à Prorrogação”, já tem dívidas de sobra. Aderiu à moratória para poder pagar a luz e a água daqui a meses, mas a conta já ascende a 250 euros. Em janeiro, a renda de casa ficou por pagar.

O pai dos filhos contribui, normalmente, com 250 euros mensais, mas agora, também com menos trabalho no Algarve, reduziu a pensão a cem euros. Para ajudar, com a escola fechada, as duas crianças estão em casa e torna-se completamente impossível sair para procurar algum trabalho. “Quem fica com eles para lhe dar assistência às aulas? Não tenho ninguém para ajudar”.

Não fosse a doença crónica do filho e teria aproveitado uma oportunidade de trabalho no hospital de campanha de Portimão. “Mas como é que posso ir para a área de Covid-19 com um doente de alto risco em casa?”

Liliana pensa que poderá não estar abrangida pelo Apoio Extraordinário ao Rendimento dos Trabalhadores. Já esgotou as duas prestações de desemprego e a lei diz que só seis meses depois de receber pela última vez o Subsídio Social de Desemprego é que pode aceder ao Apoio aos Desempregados de Longa Duração. Pede, por isso, que pessoas na sua situação também tenham direito à prorrogação dos apoios sociais.

Num desabafo, Liliana refere que “o Estado não tem a mínima noção de quantas famílias estão a passar mesmo mal. São os que aparecem nos grupos e ainda mais, os que não se mostram, por vergonha”.
Passos atrás: voltar a depender da ajuda da família

Carolina Almeida tem 24 anos, é trabalhadora independente, ou antes, um “falso recibo verde”. Desempenhava a função de fiel de armazém numa loja de venda ao público, mas foi dispensada com início do estado de emergência, há quase um ano. Em 2020 recebeu apoio durante três meses. E há mais de seis que não recebe nada da Segurança Social ou tem trabalho.

Vive com a mãe, que se encarrega de quase todas as despesas, pelo menos as essenciais. Para as outras, Carolina usa o dinheiro do ”pé-de-meia” que foi fazendo porque “quando se trabalha em situação precária, infelizmente, tem que se ter sempre esta ideia de guardar porque sabemos que não há trabalho certo. E para quem não tem capacidade para juntar algum dinheiro, é muito complicado”.

Carolina não reúne as condições para se candidatar ao novo apoio de 2021 porque o rendimento per capita do seu agregado familiar (ela e a mãe) ultrapassa o plafond de rendimentos elegíveis para se candidatar.

Melhor sorte tem o Gonçalo Pereira da Cruz, que trabalhou num dos muitos "call centers" da região durante oito anos. Dispensado em abril de 2019, recebeu subsídio de desemprego e já vai na segunda formação do Instituto de Emprego e Formação Profissional.

O Subsídio Social de Desemprego Subsequente terminou este mês e Gonçalo não sabia se poderia ser abrangido pelo novo apoio. A solução seria acionar a bolsa do curso, que só é paga se não receber subsídio. Já recebeu mensagem da Segurança Social com a informação de que se pode candidatar.

Ainda assim, a prestação não chega para pagar a renda de 350 euros, água, luz, gás, alimentação e todas as outras despesas essenciais. Não fosse a reforma do pai a ajudar e a partilha de despesas com a namorada, tudo seria muito mais complicado. Com algum alívio, confessa que, “felizmente, até ao momento, não tenho nenhuma renda em atraso”.

Também Ana Afonso conta frequentemente com a ajuda da avó. Vive na Ajuda, em Lisboa, com a filha de sete anos. Trabalhou num supermercado e depois numa panificadora. Ao fim de três contratos a prazo, foi despedida. Logo a seguir chegou a pandemia, o confinamento e o encerramento da economia. Arranjar trabalho tornou-se impossível, ainda mais com a filha em casa.

Teve direito a Subsídio de Desemprego até agosto e esperou quase cinco meses pelo Subsídio Social de Desemprego. Chegou com retroativos em dezembro e há dias, recebeu a última prestação: 97 euros. “Não temos como nos manter, já falta comida, luz e a situação vai-se agravando. Este mês não tenho como pagar a renda”, confessa à Renascença.

Agradece a Deus por ter um senhorio compreensivo, que nuns meses tolera e noutros lhe dá hipótese de ir pagando como pode. “Porque também já me conhece e sabe que quando tenho trabalho, pago logo. Mas há pessoas que não têm senhorios assim e acredito que já esteja muita gente na rua”, refere com visível preocupação.

Ana lamenta também a falta de informação da Segurança Social. “Quando pedi ajuda, disseram-me para pedir o RSI (Rendimento Social de Inserção)”. Tinha marcação para a semana passada, mas dias antes, foi avisada que a visita presencial estava adiada até ao fim do confinamento.

Ainda assim, Ana disse à Renascença que, entretanto, recebeu uma mensagem da Segurança Social a informar que se pode candidatar ao Apoio Extraordinário ao Rendimento dos Trabalhadores.
Novo apoio assegura rendimentos, mas há quem tenha de fazer descontos

Para quem termina o Subsídio de Desemprego em 2021 a prorrogação é automática, por mais seis meses.

No Orçamento do Estado para este ano consta também a criação do Apoio Extraordinário ao Rendimento dos Trabalhadores, que visa assegurar a continuidade dos rendimentos dos trabalhadores que perderam o trabalho por causa da pandemia.

Um apoio que, no entanto, só é concedido com a verificação da “condição de recursos”, por um período máximo de 12 meses, até ao fim de 2021.

"Destina-se a pessoas cujas prestações de desemprego terminem este ano, incluindo TCO’s [trabalhadores por conta de outrem], trabalhadores do serviço doméstico, trabalhadores independentes e membros de órgãos estatutários com função de direção. Trabalhadores com quebra de rendimentos superior a 40% em 2021 face a 2019 e a todos os que tenham perdido rendimento por motivo da Covid-19, incluindo trabalhadores informais e estagiários que fiquem sem emprego depois de terminarem o estágio profissional", diz Ana Vasques, vogal do Conselho Diretivo do Instituto de Segurança Social, em declarações à Renascença.

Esta responsável refere ainda que as pessoas que esgotaram as prestações de desemprego em 2020 e que até tiveram prorrogação das mesmas (como aconteceu com Liliana Pereira) podem requerer este novo apoio. No entanto, têm uma obrigação contributiva associada de 30 meses, que pode ser através do trabalho como independente ou como TCO.

Todas as contribuições contam para este período de obrigação contributiva. Variam em função do apoio, mas para Ana Vasques, “pode valer a pena porque tem um valor limite mais alto que outros".

A prestação tem um valor máximo de 501,16 euros e um mínimo de 50 euros.

O requerimento tem de ser feito online, através da Segurança Social Direta e todos os trabalhadores têm de validar o agregado familiar e o rendimento de cada elemento, para avaliar se há ou não lugar ao apoio. Também é necessário atualizar os rendimentos de 2019 e 2020 de que a Segurança Social não tem conhecimento.

Ana Vasques confirmou à Renascença que a Segurança Social está a notificar os trabalhadores que já pediram ou beneficiaram de “medidas Covid” deste novo apoio, mas “todos são livres de apresentar o requerimento”.

Um projeto de resolução e uma petição pela prorrogação dos apoios

O Bloco de Esquerda foi o único partido que respondeu com uma solução ao “bombardeamento" do grupo “Direito à Prorrogação”. O deputado José Soeiro entregou no Parlamento um Projeto de Resolução, que deverá ser discutido amanhã (quarta-feira) na Comissão de Trabalho e votado no Plenário.

Além da prorrogação do Subsídio Social de Desemprego por seis meses, o Bloco defende a redução a metade do período para aceder ao “Apoio aos Desempregados de Longa Duração”. Atualmente são 180 dias desde a data da última prestação do Subsídio Social de Desemprego.

“Se todos os partidos votarem de acordo com as preocupações que têm sido manifestadas, tem todas as condições para ser aprovado. O que nos preocupa é que, por vezes, o Governo leva muito tempo a aplicar as recomendações da Assembleia”, diz José Soeiro à Renascença.

Com a ajuda do BE, os diferentes grupos de desempregados e trabalhadores independentes juntaram-se e lançaram uma petição pela “prorrogação e alargamento dos prazos dos apoios sociais no desemprego” que já tem mais de 2.500 assinaturas.

Em dezembro estavam registados 402.254 desempregados nos centros de emprego, mas apenas 241.324 recebiam alguma prestação. Ainda assim, mais 13 mil do que no mês anterior. 205.303 recebiam Subsídio de Desemprego, 10.285, Subsídio Social de Desemprego Inicial e 25.865, Subsequente.