Carlos Dias, in Jornal Público
Experiência no Regimento de Infantaria de Beja prova que as regras da vida militar contribuem para o aumento da assiduidade às aulas e a redução do abandono escolar
Passam o dia no quartel, mas ainda são muito novos para a recruta. As crianças que vai para dois anos frequentam provisoriamente aulas do primeiro ciclo do ensino básico no Regimento de Infantaria n.º 3 (RI3) de Beja, entre as quais se inclui um elevado número de etnia cigana, aprendem entre os militares ensinamentos para a vida civil.
Foi em 15 de Setembro de 2006 que os portões do RI3 se abriram para as crianças que frequentavam as escolas do primeiro ciclo do ensino básico de Beja. É ali que passaram a ter aulas enquanto (ainda) decorrem os trabalhos de recuperação e ampliação dos edifícios escolares da cidade, construídos entre os anos 30 e 60 do século passado, para os adequar ao modelo de ensino actual.
A solução ditada pela necessidade veio a revelar-se uma experiência pedagógica cujos resultados, como admitiu José Verdasca, director regional de Educação, "não passariam pelos horizontes de ninguém". O responsável participou, na semana passada, na assinatura do protocolo que prevê mais um ano de utilização das instalações do RI3 pelas crianças das escolas de Beja. Francisco Santos, presidente da câmara, não disfarça a satisfação pelo sucesso de uma iniciativa que alguns pais e forças políticas locais temeram que iria "prejudicar as crianças". O município não tinha um espaço com condições mínimas para instalar as crianças durante as obras. "Batemos a várias portas, mas só o Exército é que nos abriu as suas".
Decorridos dois anos, prossegue o autarca, "os resultados vêm confirmar que valeu a pena", uma vez que "a assiduidade às aulas e o aproveitamento escolar melhoraram", contribuindo para "reduzir substancialmente o abandono escolar". Respeito pela fardaOs resultados surpreendem quando se analisa o impacto do "improviso" nas crianças de etnia cigana. Maria Emília Cabrita procura, há mais de nove anos, demonstrar que é possível valorizar as crianças da comunidade cigana com base nos seus valores culturais. "Fiz ao contrário. Fui ter com eles (ciganos) para criar empatias e conhecer a sua cultura", explica a docente. A escola localizava-se no bairro da Esperança, uma comunidade multicultural marcada por constrangimentos associados ao desemprego, tráfico de estupefacientes e beneficiários do Rendimento Social de Inserção.
O edifício não dispunha de condições para levar por diante, com um mínimo de garantias, a alfabetização das crianças. Até que surgiu a oportunidade de dar aulas no quartel de Beja. O primeiro grande desafio foi convencer os pais a aceitar que os seus filhos se deslocassem para fora do seu olhar. Nos primeiros tempos os autocarros da câmara que transportavam as crianças para a escola no RI3 iam quase sempre vazios.
Com muita persistência, Emília Cabrita foi convencendo um número crescente de pais a deixar os seus filhos frequentar a escola "no quartel". Um dia acompanhou-os "até à caserna/escola e então perceberam como os filhos estavam seguros".
A farda do Exército incutiu neles um "sentimento de respeito e não de medo", sublinha o coronel Fernando Pereira Figueiredo. O comandante do RI3 realça, entre outros factores que terão contribuído para o sucesso escolar de boa parte das crianças ciganas, as regras da unidade militar e que também se "reflectem nas práticas de higiene, nos hábitos alimentares e na assiduidade às aulas". Os alunos passaram a comer no refeitório, a frequentar o ginásio e as outras instalações desportivas da unidade militar. A partir de Setembro, podem utilizar uma piscina e um campo de jogos relvado.
A presença dos militares tem permitido "debelar conflitos, diluir a agressividade e facilitar o entendimento" com as famílias ciganas, constata o comandante do RI3, satisfeito por "um problema para a Câmara de Beja se transformar numa oportunidade para o Exército provar o seu papel na salvaguarda do interesse público".